Irena se reprova por seu gesto de mau gosto com sua caixa de bordeaux; por sua estupidez ao trazer à tona tudo o que as separa: sua longa ausência do país, seus hábitos de estrangeira, sua desenvoltura. (...)
Irena bebe um modesto gole de cerveja, dizendo-se a si mesma: E se fosse Gustaf que lhes oferecesse vinho? Elas teriam recusado? Claro que não. Ao recusar o vinho era a ela que estavam recusando. Ela, tal qual havia retornado depois de tantos anos.
É nisto, justamente, que reside seu desafio: que elas a aceitem tal qual ela voltava. Saiu dali uma jovem ingênua, e voltava madura, com uma vida atrás de si, uma vida difícil da qual se orgulhava. Quer fazer de tudo para que a aceitem com suas experiências dos vinte últimos anos, com suas convicções, com suas idéias; será pegar ou largar: ou ela consegue sentir-se bem entre elas sendo o que se tornara, ou não poderá ficar. Organizou esse encontro como ponto de partida de sua ofensiva. Que tomem cerveja se fazem questão disso, ela não se incomoda, o que conta é que ela escolha o assunto da conversa e que se faça entender.
Mas o tempo passa, as mulheres falam todas ao mesmo tempo e é quase impossível manter uma conversa, menos ainda impor um conteúdo. Ela tenta delicadamente retomar os assuntos que elas lançam e encaminha-los para aquilo que lhes queria dizer, mas fracassa: assim que a conversa se afasta das preocupações delas, ninguém continua a escutar.
(...)
As outras mulheres a sufocam com perguntas: “Irena, você se lembra quando...”. E: “Sabe o que aconteceu quando...?”. “Mas não, com certeza você deve se lembrar dele!” “Aquele sujeito de orelhas grandes, você sempre caçoou dele!”
Até então não se interessavam por aquilo que ela tentava lhes contar. O que significa essa ofensiva súbita? O que querem saber aquelas mulheres que nada querem ouvir? Compreende rapidamente que as perguntas delas são especiais: perguntam para saber se ela conhece aquilo que elas conhecem, se se lembra daquilo de que elas se lembram. Isso lhe dá uma estranha impressão que não a deixará mais:
Primeiro, pelo total desinteresse por aquilo que ela vivera no estrangeiro, elas a amputaram de uns vinte anos de sua vida. Agora, com o interrogatório, tentam remendar seu antigo passado com sua vida presente. Como se lhe amputassem o antebraço e fixassem a mão diretamente no cotovelo; como se lhe amputassem as panturrilhas e emendassem os pés nos joelhos.
Milan Kundera, A Ignorância
Um comentário:
Parece que a única opção é uma contemplação irritada... ou dar um grito!
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