Você sempre me disse que esse livro foi me transformando à medida que eu o escrevia. "Depois de terminá-lo você não era mais o mesmo". Acho que estava enganada. O que me permitiu mudar não foi escrevê-lo; foi ter produzido um texto publicável e vê-lo publicado. Publicar mudou minha situação. Conferiu-me um lugar no mundo, conferiu realidade ao que eu pensava, uma realidade que excedia minhas intenções. (...) A magia da literatura: ela me dava acesso à existência à medida em que eu tinha me descrito, escrito, na minha recusa de viver. Aquele livro era produto da minha recusa, era essa recusa, e, por sua publicação, me impedia de perseverar nessa recusa.
O livro será minha despedida à adolescência, minha renúncia ao que Deleuze-Guatarri chamarão de a "ilimitação do desejo", e que Georges Bataille chamava de "a omnidade do possível", à qual só se chega pela recusa indefinida de toda determinação: a vontade de ser Nada se confunde com a de ser Tudo. "É preciso aceitar ser finito: estar aqui e em nenhum outro lugar, fazer isto e não outra coisa, agora e não sempre, ou nunca; ter apenas esta vida".
André Gorz, Carta a D.
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