segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

Crônicas de um amor inviável

Telefone
Tento lhe sentir...
não alcanço.
Atado em meu próprio quarto;
restrito.
Impedido de ir
aonde antes
considerava meus domínios.

As horas passam,
destroem,
corroem tudo em minha volta,
menos seu rosto e sorriso.

Fotos não envelhecem
e você,
linda, arrumada...
sensual,
a meu lado,
barba por fazer, despenteado...
largado.

Enfim o telefone toca.
Sete minutos de atraso!
Mas está tudo tão escuro...
Poderia finalmente
sentir a voz de minha foto,
dar-lhe vida;
acalmar minha alma,
dar-lhe paz.

Maldição!
Não consigo acha-lo.
Segue chamando...
De onde vem o som?
Não sei nem em que direção
partir para procurá-lo.
Por que está tudo
tão disforme e diluído?!
Só o que vejo são vultos.

Esbarro no porta-retratos
que tomba,
esfacela.
No piso, cacos de vidro cortantes.
Sobre seu rosto pisado, sangue.

A janela abre,
sinto frio por dentro.
O vento leva os papéis para fora,
para a tempestade.
Minhas poesias...
Lama.

Ele toca próximo ao meu ouvido,
mas quando me viro
desaparece
e se cala.

A chuva cessa,
a persiana fecha.
Mal se distingue
o corpo único,
sentado e encolhido,
no canto do enorme aposento.
Mal se percebem
lágrimas
quando já se está molhado.



Quartinho dos fundos
Tudo parece confortável
(ao menos de longe).
Mesa posta
vinho, champagne...
A taça, delicadamente,
toca seus lábios,
umedece a boca
e, um pouco,
desliza por sua pele
acariciando o início
de seu queixo.

Chama meus olhos,
a beleza do vestido que,
tal um lençol acetinado,
apenas rela-lhe o corpo
nos insinuantes pontos
de maior curvatura.
Sonho...

Hei, espere! Aonde vai?
A fresta pela qual
posso deixar meu olhar te tocar
é pequena demais...
Quem é este
entre eu e você?

Em meu quarto escuro
o ar é pesado,
e o calor, insuportável...
músculos doem,
e o frio que sinto
em nada refresca,
apenas gela,
torna frágil,
e quebra.

Não há janelas.
Não há saídas.
Nada distingo a minha volta...
Mesmo que houvessem
pés-de-cabra ao chão,
a noite daqui
me impediria de acha-los,
abrir a porta.
Mesmo em uma sala de espelhos
não conseguiria me ver.

O calor me tomba,
exausto.
Gélido suor
pontua a face;
lágrimas escaldantes
queimam a carne.
Meu frio me some a voz,
interna.

Acho que me notou!
Vêm em minha direção...
Ah, quando estiver lá...
o vento, sem mormaço,
quebrará meu gelo.
Reencontrarei sorrisos.
E a mim.

Quando estiver lá,
sentarei à cadeira de balanço
e beberei sua taça...
para reaver minhas forças,
meu sono.

Quando estiver lá,
você, em meu ser será,
e ele já terá ido.
Estará distante...
vago.

Quando estiver lá...
Pára!
Não faz isso!
Não fecha a...
porta.



Incerteza
Abro os olhos.
Antes: absorto em pensamentos,
agora? A realidade.
Nenhum esclarecimento.

O mundo,
como solução,
nada me traz.
Me mostra, apenas,
e novamente,
você.

Minha mente,
cada vez mais
na iminência do colapso.

Sua voz,
palavras doces.
No tom,
clamam por proximidade.
Olhar tentador.
Gestos que,
simplesmente,
me prendem.

Mas ainda que
atraído e fascinado,
não consigo,
para me fixar,
nuvens suficientemente
macias e densas.

O vento traz
novos odores e sensações,
tempestades ou o sol.
Espero por certezas.



Resposta ao beija-flor
Se insisto em parecer-lhe doce
é para que,
em seu rápido
bater de asas,
possa parar.
Parar e compreender
a beleza e a complexidade,
de cada, e única
flor.

E seus arredios olhos
consigam ver,
o que há muito não sonhavam,
descubram os detalhes
encobertos pela cera
vinda de carícias inconseqüentes
(que por ninguém se importam).

Suaves nuances,
cheiros, sabores,
e sutis texturas,
sufocadas.
Como o rouco grito
em minha garganta.

Às vezes o solitário beija-flor
com uma flor apenas,
não se contenta.
Mas se as invisíveis lágrimas
de doce veneno
que por minhas pétalas escorrem
ajudam o arisco pássaro
a se aproximar
com a constância
desprovida de pressa,
e com o olhar
desprovido de receio,

talvez ajudem o frio beijo
a esquentar.
Mesmo em meio ao vento
ríspido e cortante.

Esperando o tempo passa...
Derruba folhas e frutos,
pois, se, ao acaso,
seu coração aquecer-lhe o corpo,
este tombe satisfeito e sem medo,
sobre o manto de meus domínios
para que finalmente possa escolher
se vai,
ou se fica.



A lágrima
Os lábios
que abrem o sorriso
só desejam
que as lágrimas
derramem.
Mas secas,
ardem ao descer
pelo rosto,
e nem chegam
a percorrer seu caminho,
selar seu destino.
Morrem,
como se nunca
tivessem existido.
Lua minguante
E mesmo que nem sempre,
ou em igual intensidade,
sei que também,
e de longe,
sorveu meu hálito.
Cheio de intenção,
mas distante do seu,
da perfeição,
clamava em súplicas
por um beijo.

E mesmo que pareça impertinência,
e sonhe, e aguarde, e sorria,
desculpe,
seu olhar me devora,
e minha alma numa bandeja,
para lhe satisfazer,
daria sem mais nada dizer.

E ainda que a lua quase cheia
não perca sua beleza,
não suportaria
a parte que me falta
em poesia, esperança
e paixão,
pois estamos certos do luar
mesmo quando este se esconde
atrás de um eclipse
lá está ele,
esperando para,
novamente,
se revelar.

E mesmo te sabendo com outro
(como eu com outra),
a cada reencontro e despedida,
minha boca mais próxima da sua,
e nossas,
quase se tocam.
Contrariadas, se afastam,
ansiosas, aguardam.

Seus lábios,
pálidos, obtusos,
úmidos de volúpia,
delineados junto aos meus,
temerosos,
aguardando para possuir,
e por uma só vez,
desfrutar,
e então fechar,
saciados.

Porém,
o doce sabor
do mel que deles verte
instigará os meus
para que, gulosos,
sempre mais,
lhe busquem.



Poesia, esperança e paixão
Se os devoradores de alma
somente planam sobre mim
e, desinteressados,
se revelam para quem sempre o fizeram,
com pesar será minha saída,
pois os convites
não são disfarces,
mas apenas sorrisos.

A comodidade
“nos faz preferir e suportar os males que já temos
a fugirmos para outros que desconhecemos”,
mas também o amor.
Não me deves nada,
explicações, desculpas,
palavras doces ou afeição.
Sou eu quem tiro de ti
vontade e significado.

Mesmo meu desejo sendo um,
não irá se impor por si só,
e mesmo nesse frio sem sentido
quando nem mesmo o sol aquece,
a distância não deve causar estranhamento.

A obra-prima, se faz pelo olhar distante,
e à arte,
quando lhe tentam explicar,
fica aquém de sua realidade,
etérea.

A repulsa
do natural magnetismo
que a ti me prende,
talvez silencie pássaros,
encubra sóis,
retire palavras,
mas meus braços
somente se abrirão
se for para e por
poesia, esperança
e paixão



Raízes
O gramado
que ontem serviu de leito,
hoje está seco,
e em chamas, definha.
Fumaça, chama,
labaredas de ardor
em meu ventre,
e calor,
lágrimas, temor.

A lua já se pôs
e claro,
temos que nos encarar,
cigarro,
da boca que beijou
e já não pode,
do olhar que já clamou
e não mais toca.

Enfim a chuva cai,
e afugenta, venta,
dói.
Mãos trêmulas,
a rajada que trespassa,
o frio, que não mais passa.

Sempre
você próxima,
pois meus olhos se fecham.
A inquietação,
não mais é estranha,
pois todos os distantes
são sombra de ti,
e todas as palavras,
da sua boca
são eco distante.

E a grama se foi,
e a lua se pôs,
mas meus pés são raízes
e molhados
de lágrimas, chuva
e ansiedade,
não mais sairão do lugar



Inebriante caos
Naquela noite
em que pousavas irreal em meu leito
e mãos repousavam em meu peito,
nada fazia sentido,
tudo era perfeito.
Sensações indescritíveis,
o caos, e só.
Lençóis, cabelos e beijos,
palavras indizíveis
num silêncio aconchegante.

Sua incompreensível presença imaginária,
a cada quinze minutos
quando despertava,
me tirava mais e mais o sono,
pois era suave e etérea,
e mais e mais,
penetrava numa letargia a dois,
onde, alheios ao mundo,
eu poderia, mudo,
melhor te conhecer e compreender.

E numa praça de poesia,
deitado à margem do lago
que o nascente reflete,
acordar te abraçando,
e pela gaita,
exalar notas da nossa agonia,
levantando o sol,
acordando o mundo.



Olhares
Viver o eterno despedir
a cada dia,
para que não descubram,
não reconhecer,
nem olhar,
ou gemer.

Em silêncio,
esperamos que passem,
como sempre,
para o nada.
E nos preparamos,
e nos separamos
para segui-los,
em silêncio.

Talvez a despedida perfeita
(para que sempre se lembrasse
e sorrisse,
e chorasse)
apenas não exista.
Mas posso ter me negado,
brigando em mim
para que não houvesse,
e assim,
prolongar a suave demência,
retendo,
tímidos e truncados,
olhares de nossa confidência,
e viver uma vida
curta, sofrida,
mas intensa



Precipício
Tão bela pastora...
o penhasco,
no caminho,
desapercebido,
suave sensação,
maravilhas,
na queda,
esquecem o chão.

Correndo, um cavalo branco,
unicórnio de beleza.
Matadouro, matadouros,
trotando, suor e sangue
trotando, o silêncio
arrebata, some,
mesmo presente.

A tempestade,
da limpeza o símbolo
varre o ruim,
depois, indistinta,
escorre o belo,
aqueles
que se permitiam adormecer,
se permitiam a brisa.

Um poema,
sem dor,
não vale a pena,
tudo soando insensato
ela, tão distante,
eu, sem sapatos.
Por que por alguém viver
que só vive com você?

Os pêlos crescem,
escondem músculos
mas também
banha e flacidez ocultam,
cabeça raspada,
fado irrefutável dos cabeludos,
o cabelo,
matéria morta,
sempre cai.

A razão
economizaria esparadrapos...
sempre tão inútil...
mal utilizada
inútil esforço
de abrandar a dor,
presente insônia
tentado conter tentativas
loucura!
Meu cego amor
a beira do precipício.
Como alvos alazões.



Invisível inversão
Através do espelho,
a imagem aparente pura
inverte-se retorcida,
retardada, inibida
e inibida, retardada,
retorcida inverte
a imagem cega, espúria,
através do espelho.

E num embate desigual
(pois ele não me vê),
vejo em sua alegria minha desgraça
e a graça que vê em minha tristeza.
A intensa delicadeza
esmagada pela onipotente presença,
num embate desigual.

O xale da beleza,
declarações sem poesia,
palavras vazias, nulas, sem rima,
e me asfixia:
Exato como não queria
beijos, para ele, à revelia,
e louros e sorrisos, a mão,
a pele treme e cerro, findo,
olhos de pedido,
morte sem fim.
Alameda de clareza,
o menino, o cachorro, a via,
o ar pesado, o vento, distante, acima,
aquela reprodução, nem eu mais via,
cacos refletindo a luz do dia:
cegando e cortando, abominável sangria,
espelhos opacos semeados pelo chão.
O livro, ao pó, aos pés, já lido,
amor perdido,
a morte em mim.



Paixão em poesia
Bruscamente,
me solta ao mar,
como quem tenta fazer do conflito
algo evanescente, efêmero, fugaz.

Incessante esforço
na busca por diluir
poesia, esperança,
paixão.

Com o limiar violentado
teme empreitadas de amor impensadas
que possam marcar um sentido
(sem volta)
calcar direções
(revolta!).

Tudo não corre perfeitamente bem,
a mão breca.
O turbilhão
desprende fundações
onde a mais intensa delicadeza
rasga seu próprio lugar.
Se funde,
onde não pode ficar.

E assim, incansável beija-flor,
lhe mostro, flor, que não pode andar.
Me manda embora,
não me digna o olhar,
mas cada pétala sabe, agora,
exalar seu odor.
Sentiu, sorrateira, sorridente,
de minhas asas o calor.
Se mostra insegura de lhe dar,
mas sem ele, sabe:
não pode mais ficar



No man`s land
Seus cabelos,
numa conversa despretensa,
sensibiliza a alma,
toca o rosto,
concretiza o sonho.

Como se seus olhos
clareassem o sol,
amaciassem o chão,
incendiassem estrelas.

Enquanto com palavras me repele
eles suaves me acolhem,
e cuidadosos me recolhem,
e colhem cada bom momento,
e guardam.

Aguardam adentrar
nos domínios de Morfeu,
terras sem dono
(irrealidade distante
onde aqueles que querem, podem),
para ter, como antes;
saborear, como novo;
sentir, como nunca.

Somente nessa terra encantada
onde o sol não se põe
e as lágrimas não derramam,
pela primeira vez,
descansar o calor do corpo
na refrescante brisa
de um abraço despreocupado.



Orvalho de lágrimas
A flor
outrora tão tocada e desejada,
hoje, no canteiro,
descansa solitária.

A clareza do fim da noite,
pétalas proibidas de tinto sangue,
seiva sem vigor,
orvalho que escorre,
lágrimas e dor.

A flor,
outrora iluminada,
hoje mingua em sombra,
mentiras, convenções,
nada.

Enquanto para rosas de plástico,
insiste o olhar,
sabe: essa tola flor
rasga em vida,
imóvel, a despedaçar.

Vê as juras e não pode tocar,
ouve seus lábios, não pode roçar,
despede-se ao longe
e se põe a chorar.



Como se
Adormecer tranquilo,
sono dos justos, certeza.
Sussurrar,
não por opressão,
mas pela paz da leveza.
E para todos isso passar,
e para ele sorrir com o olhar,
como se não estivesse para chorar,
como se pudesse para outro lado andar.


Invasão
O beijo sincero de um amigo,
a compreensão de um não,
sorrir, estender a mão,
ficar naquele ligo ou não ligo.

E lá de fora
a realidade tenta entrar.

Dar sem pensar,
fazer por amor,
fazer com amor
gostar de vê-la gostar.

E lá de fora
a realidade tenta entrar.

Se abrir, sentir,
sem receio, medo,
e voltar cedo
pra vê-la partir.

E lá de fora
a realidade se põe a falar.



Abster-se
“Tolos os que acreditam que abster-se
torna mais fácil a próxima abstinência”
Rubens Bias
Anda,
veste o capuz!
Nega e diminui
como fazes a tempos.
Com a sutileza peculiar
as de perfume tão doce
se faça abutre
e devora meu fígado,
aos poucos,
o dia todo.
Fia essa teia
que me tampa as narinas.
Aos poucos,
vou me acostumando
ao ar pouco,
até que com ele
não precise mais me preocupar.
Olha pra lá!
Preciso parar de chorar.
Vê como fardo,
me afasta, me mata
(você tenta, eu sei).
Estou de joelhos
(cavaleiro ferido),
me tem a seus pés
(mendigo a feder),
mas está virada de costas,
sai andando,
não pôde me ver.



Açoite
Quando as horas parecem infindáveis
os dias são gritos ocos
não passam da areia
as ondas em socos
não passam da areia
- Vem beijar meus pés!
Duro golpe
das frias linhas
de uma carta de despedida.
Um anjo passou.
Por entre nós.
O silêncio que rodeia
me oprimindo,
e cala,
e cola,
impregna,
determina.
Quando a vista parece turva
as pernas são curtas,
e tudo fica limitado.
Tudo pela minha insegurança,
tudo pela minha pequenez.
E justamente
quem me açoita é que preciso
não por este fato,
mas por de fato me ter mostrado.
Seria por não tê-la,
pelo fato de tê-la afastado?
Talvez precise de quem não exista,
e passe àquelas que não posso,
e fique com as que passam:
Não ficar sozinho!
Mesmo solitário,
mesmo estando
infeliz de fato.



Relações Humanas
Duas pessoas
solitárias.
Amigos rasos,
pais fardos.
Tempo gasto
num vazio sem sentido.
Gostariam de,
com o que resta,
falarem de si,
e se unem.
O amor...
Então descobrem no outro
um,
estranham,
separam:
“Era só paixão,
acabou”

4 comentários:

marcos disse...

eh, fim de ano, momento de retrospectivas e reflexões. Domingão do Faustão e meu blog que o digam!
vou ler offline, estou na discada aqui na casa de praia. Espero que não seja nada muito chato.
O título, "Crônicas de um amor inviável", é pagação de pau pro velho Bukoski?
feliz ano novo, abraços!

Rubis disse...

Puutz, mas eu nunca li bukowski... é o mesmo título?

Anônimo disse...

ainda bem que foram publicados...sabia que em algum cantinho dos cadernos aqueles poema ainda existiam!

beijos...

ps: nossa, que nostalgia..!

Anônimo disse...

"Esses poemas, mais que quaisquer outros,
estão cheios de noites e madrugadas adentro.
Cheios de uma dor tão elevada que é capaz
de nos fazer rir, apesar de tudo.
Cheios de dias na vida de uma luz.
São poemas de vitalidade, apesar do adeus..." [Alice Ruiz sobre os poemas de Paulo Leminski]

Dramáticos.. bem expressivos, aliás