sábado, 20 de maio de 2006

o indiozinho

Era uma vez um índio que, em sua tribo, era uma verdadeira lástima. Estranho e solitário, não conseguia falar com ningúem.
Às vezes se afastava de lá em silêncio, despercebido, trazendo consigo aquilo que havia acumulado de mais importante. Empilhava então diante de si cerâmicas, arcos, flechas, zarabatas e toda a comida que tinha. Altarzinho queimado com prazer e desprendimento. Da beleza de tudo que não era mais dele, ofereciam-se aos céus sinais de devoção e dedicação surda chegando a todos os distantes.
Quem, naqueles momentos, deixasse o que estava fazendo e por acaso olhasse para cima era surpreendido e compreendia uma proximidade vinda de longe, uma sensação de presença.
Admiradas, as mesmas mulheres que tantas vezes passavam por ele agora o encontravam e não era o indiozinho. Diferente, forte, alto, seguro, bravo caçador em aventuras que assim continuavam nas andanças de suas empolgadas cabeças imaginativas.
Tão insignificante era o restante dos seus dias, vivia de empilhar o suficiente para cada não ter, mais grandioso que o anterior. Criou diante de si uma aura. Sobrevivia, oferendava, orgulhoso.
Assim passava os dias, se transformando naquele que não viam os que viam, que viam quando sumia. Cada vez mais perto, cada vez mais longe.

2 comentários:

Danilo SG disse...

Quando que o perto, de tão perto, já nao permitiria mais o afasamento? Quando que o longe, de tão longe, já não admite mais volta? Organizar a vida é estar ainda a meio caminho...

Anônimo disse...

É "na brecha larga desse desajuste", diz Raduan Nassar, "que o capeta deita e rola". Ótimo texto Rubão.