Sentia-se apenas mais um, uma história que poderia não ser contada.
Sempre que podia dormia tarde. Não gostava de pensar. Via os dias passando enquanto se ocupava em encher seus dias de obrigações e não ver o tempo passar. Corria para, parado, não se deparar consigo. Às vezes esquecia-se de comer, outras, empanturra-se.
Mentor de idéias novas de cotidiano impossível. Não era capaz daquilo a que se propunha, indignava-se com o que lhe esperavam, não cumprindo com o orgulho que lhe permitia o sono. Sonhava porque não suportava.
Galante amante de mulheres novas de improvável convivência. Deixou de balançá-la para embalar-lhe o sono, de beijar o tendão de Aquiles para excitar-lhe, de oferecer piadas infames por sorrisos garantidos. Há tempos.
Não amava, queria o que não podia, aproximava-se o suficiente para que sentissem falta do nunca o bastante.
Encontros em afloramentos e decepção.
Sabia que não levava a vida que queria. Levava a vida. Não sabia o que queria.
Seus olhos não brilhavam, tinha dúvida se ainda poderia notar algo brilhante diante de si, refletir.
Trazia a doença ou assim parecia. Ela se afastou, ele (que era o outro) voltou a lhe falar.
Tinha uma ética peculiar. Tentava o prazer, precedia o choro. Não permitia sonhos que não pudesse pegar, apalpar, passar a mão e por isso fazia chorar.
Considerava-se superior, mais, coerente.
Planejava cada passo pensando sobre cada acontecimento. Invejava os espontâneos lamentando pelos que se preocupam demais. Via-se e cria-se aberto ao inesperado ao lado de obrigações inadiáveis. Intermináveis. Tinha como regra questionar todas as regras, tentar diferente como se o mundo estivesse habitado por idiotas e cretinos, uns mereceriam ajuda, derrotados ou convencidos outros.
Não deixava dormir, não deixava ficar, não entregara o presente pronto, esquecera como elogiar. Esquecera. Esquecerá.
Sentia-se apenas mais um, uma história que poderia não ser contada. E dava-se por satisfeito. Como se fora o bastante, como se fosse suficiente.
Quase (Pato Fu)
Ela é quase tudo o que sonhei
E eu sou quase aquilo que sempre evitei
E falhei, sim, falhei...
Quase um amor
Quase um caminho
Que me deixou
Quase sozinho
E quase que fiquei contente
E fui feliz pra sempre
No dia em que eu
Quase conquistei seu coração
Quase um amor
Quase um caminho
Que me deixou
Quase sozinho
E apesar de ter ficado
Quase um ano
Quase morto de paixão
Hoje já estou quase bão
Esse foi copiado descaradamente da Taty...
Às vezes os melhores amigos em um ano, se tornam apenas bons amigos no próximo ano. Já não se falam tanto no ano seguinte e não têm tempo de se falar no próximo. Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure sempre... (Vinícius de Moraes)
11 comentários:
Rubens, seu conto me emocionou de uma forma especial. Se inspirou em quem? Deixa pra lá, que pergunta mais indiscreta...rs. É que minha emoção tem a ver com algo preciso: para meu horror e meu auto-espanto, me identifico ultimamente com algumas coisas do personagem, para não dizer MUITA coisa e não escancarar um sentimento de desconforto gritante, mas também de insight que o texto me provocou. E você, na verdade, até foi testemunha disso, naquele infame dia de inferno astral, no qual eu peguei no pé do seu bigode, em que ey estava ansioso pela chegada dum paciente qualquer, "correndo para, parado, não se deparar consigo."
Parabéns, abraço.
Engraçado, cliquei para comentar e li o comentário do Lu. E é tão próximo do que senti. Mais louco ainda é que acabei de ler o mesmo Lu no meu blog e... Sei lá, vou parar com essa cadeia maluca, ou serei pego por um lacaniano de plantão. Rubens: seu conto é lindo! Lu: você é um cara "diferentemente" legal, e isso eu descobri, anos atrás, numa aula de Geral II.
Abraços.
Agradeço suas palavras, Renato, se bem que o "diferente" às vezes me causa dor de cabeça...rs
Valeu Rubens, pelo conto alter-ego...
Bem, Luciano, assim que escrevi pensei "esse 'diferentemente' pode soar esquisito...". Quis dizer autenticamente, diferenciadamente etc. etc.
Eu entendi perfeitamente o "diferentemente". E a questão é essa mesmo: às vezes ter algo de diferenciado ou antêntico nos provoca dor de cabeça mesmo!! Às vezes a gente acaba arrumando encrenca pra cabeça sendo assim! hehehe
Nessa construção me parece que o Rubens conseguiu aglutinar a expressão de muito da existência autista no atual mundo pós-moderno.
Além disso, também me identifiquei muito com as palavras do Luciano, no primeiro comentário.
Obrigado, Danilo, por chamar a mim, ao Renato e a você mesmo de autistas! hahahahahaha... brincadeirinha!
Rubens, faz algum tempo que não comento por aqui. Parece que você acabou tocando muitas pessoas com esse texto. E comigo não foi diferente. Sou mais uma que uso das palavras do Lu Tome no primeiro comentario. Mas queria dizer, alem disso, que gostei especialmente do trecho do vinicius de morais que vc copiou...
um beijo
Luana
Não liga não Luciano, talvez seja só eu na realidade... "quanta PROJEÇÃO..." a minha, hehe
Um abraço,
Que texto mais mobilizador... Que alegria! É como se vocês se identificassem comigo, quantas projeções... hahaha
Vamos montar um super telão de projeções inter-intra-cruzadas!!!
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