Falas do Franco Basaglia enviadas para as turmas que fazem estágio no Hospital Psiquiátrico João de Deus. Em homenagem ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial (dia 18?). Tinha a ver com isso minha excursão ao cerrado. Depois entro em mais detalhes...
Basaglia foi o grande inspirador da reforma psiquiátrica italiana. Em a Instituição Negada ele descreve e reflete sobre uma prática antiinstitucional e antipsiquiatrica que ocorreu de 1961 a 1972 em um hospital do qual era diretor. Esse trecho é extraído de uma entrevista.
Sugiro como leitura esse livro e um outro do Goffman chamado Manicômios, Prisões e Conventos. São dois livros que dizem um pouco do mal que esses espaços fazem aos seus usuários.
Desculpem pelo excesso, achei que era necessário.
Lá vai:
"Não é que nós prescindamos da doença, mas pensamos que, para estabelecer uma relação com um indivíduo, é necessário considerá-lo independentemente daquilo que pode ser o rótulo que o define.
Relaciono-me com uma pessoa não pelo nome que tem, mas por aquilo que é. Assim, quando digo: é um esquizofrênico (com tudo quanto o termo implica, por razões culturais) relaciono-me com ele de um modo peculiar, sabendo que a esquizofrenia é uma doença contra a qual nada se pode fazer: minha relação não irá além daquilo que se espera diante da "esquizofrenicidade" do meu interlocutor.
Assim se compreende como, sobre estas velhas bases, a velha psiquiatria relegou, aprisionou e excluiu esse doente, para o qual pensava não existirem meios nem instrumentos de cura. É por essa razão que se torna necessário enfocar esse doente de um modo que coloque entre parênteses a sua doença. A definição da síndrome já assumiu o peso de um juízo de valor, de um rótulo que vai além do significado real da própria enfermidade.
O diagnóstico tem o valor de um juízo descriminatório, o que não significa que procuremos negar o fato de que o doente esteja, de alguma forma, doente. É este o sentido de colocarmos o mal entre parênteses, ou seja, colocar entre parênteses a definição e o rótulo. O importante é tomar consciência daquilo que tal indivíduo representa para mim, de qual é a realidade social em que vive, qual o seu relacionamento com essa realidade."
"Despsiquiatrização é a tentativa de colocar entre parênteses todos os esquemas para ter a possibilidade de agir em um território ainda não codificado ou definido. Para começar torna-se necessário negar tudo o que está à nossa volta: a doença, o nosso mandato social, a nossa função. Negamos assim tudo o que possa dar um sentido predefinido à nossa conduta."
"Negamos a desumanização do doente como resultado último da doença, atribuindo o grau de destruição à violência do asilo, da instituição, de suas mortificações, desmandos e imposições que derivam da violência, dos abusos e das mortificações que são o esteio do nosso sistema social.
Tudo isso foi possível porque a ciência, sempre a serviço da classe dominante, decidira que o doente mental era um indivíduo incompreensível e, como tal, perigoso e imprevisível, impondo-lhe, como única alternativa, a morte civil."
Um comentário:
Rubinho, já tinha lido esses seus escritos por e-mail, e acho que são fudamentais para que nossa vivência no João de Deus seja além de "ver doentes". Ainda não li o Basaglia, mas pude ler Goffman e acho está me ajudando a ver outras coisas na instituição.
Pena que vc não é o monitor de terça-feira...
Bjocas
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