domingo, 13 de fevereiro de 2005

Do oba-oba ao contato com o Brasil pela violência: Comparações entre o segundo e o quinto FSM e impressões

O fórum é um modelo aberto, uma proposta que busca se aperfeiçoar na tentativa de um mundo diferente do que se vive. Aquilo que começou como um projeto ideológico e nada propositivo de intelectuais de esquerda, com uma organização hierárquica e excludente, com a participação de 25 mil pessoas e nenhuma repercussão, mudou.

Atualmente conta com repercussão internacional, se consolidando como grande contraponto ao modelo único (neo-liberal) defendido em Davos. Sua forma de organização mudou. Antes, eram divididas em grandes mesas às quais delegados tinham acesso e entidades e organizações tentando, sem diálogo entre si, conseguir visibilidade à própria causa defendida. Uma forma excludente, onde poucos participam, alguns falam, só grandes personalidades eram reconhecidas. Estrutura vertical, os que sabem e os que não tem luz; construção dos iluminados para o coletivo e não coletiva. Muito teorizavam e não havia nada de palpável.

Não existe mais a figura do delegado, todos participam da mesma forma. O pagamento é um convite à sustentabilidade e quem tem mais, paga mais. Todas as atividades são totalmente abertas, na rua e quem quisesse poderia participar. A organização de palestras e oficinas foi auto-gestionada pelas próprias entidades. Isso foi motivo de problemas com relação à atividades marcadas incorretamente, imprevistos e desistências. Caso a auto-organização com cada um responsável pela sua parte fosse essa a forma que mais desse certo, seria mais utilizada em outros espaços. A invenção de modos alternativos que funcionem concretamente não é simples. Sua possibilidade de existência é prova da estrutura mutante e aberta do fórum.

Nesse fórum, mudanças começaram a ser sentidas. Além da auto-gestão na organização, localização e da participação dos movimentos sociais, as entidades começaram a dialogar e pensar em atividades conjuntas tanto pra fórum quanto para outros espaços. Grande parte do comércio era feito em Economia Solidária, que como política pública, ganhou uma secretaria do governo federal há uns dois anos. Foram feitas mais de 350 propostas que serão divulgadas e debatidas, ou seja, começou a deixar de ser um lugar apenas de troca de idéias, para um lugar propositivo. Apesar das propostas, o fórum não tira deliberações, forma que encontrou para ser um local de encontro e de confluência não excludente.

O acampamento foi valorizado, ficando no meio do chamado território social mundial. Foi portanto, dado maior destaque aos jovens e pobres. As atividades foram para a rua, saindo de um espaço privado, que era a PUC-RS.

Foi, certamente, o fórum mais ampliado com relação aos movimentos legitimamente sociais. Contou com presença se não maciça, marcante de populações indígenas, sem-terra, movimentos diversos de moradia, movimento de hip-hop, movimento negro, diálogo entre palestinos e israelenses, expressão de excluídas castas indianas.
Foi também ampliado por contar com mais pessoas totalmente desligadas e destoantes dos princípios do fórum. Pessoas que foram pela concentração de gente e não movidos por “um mundo melhor”. Esse problema vai ter que ser resolvido como vêm sendo resolvidos a maior parte dos problemas referentes ao fórum, resta saber o caminho a ser tomado, se excluindo ou procurando formas de incluir nas atividades do fórum todas essas pessoas.

O acampamento da juventude foi o lugar onde a contradição da ampliação do fórum ficou mais explícita.

Teve, após sua criação, que lidar com um falatório que nada produzia da parte da própria juventude. Começou a se organizar. Percebeu-se lutando contra o mcimperialismo com uma lata de coca na mão. Teria de pensar além de se colocar totalmente contra tudo que se apresenta, tentativa de sair da óbvia contraposição ao real como imperfeito e a mudança, o ideal, como depositário de todas as esperanças, o bom, o belo, o justo, o perfeito. Tentou criar atividades paralelas, numa forma de organização também auto-gestionada. Na atual edição, com 35 mil pessoas (mais do que o primeiro fórum inteiro), teve seu espaço descentralizado, várias temáticas sendo discutidas, vários projetos. Não resolvido o problema da falação, aberto, o acampamento busca alternativas.

Os problemas principais que se colocam na minha opinião são dois:

Ter que se deparar com muita gente que não está disposta a passar horas discutindo a mudança do mundo. Os famosos e temidos alienados foram ao fórum. Pessoas que estando no fórum só iam pra balada e conviviam numa boa com isso. Estariam aliciando o fórum, transformando-o num espaço estéreo? Se é um espaço que se pretende aberto a todos (obviamente não o é), essas pessoas fazem parte. A diferença é colocada de forma mais radical, não sendo mais apenas diferentes segmentos e culturas com representantes que pensam de maneira semelhante.

A violência foi o que de mais chocante ocorreu no acampamento. Ocorreram vários roubos e alguns estupros! A realidade brasileira finalmente mostrando a cara no acampamento, entrando sem ser convidada. 5.900 pessoas foram vítimas de homicídio em São Paulo, número concentrado nas regiões mais pobres. São 450 estupros registrados na região de Campinas por ano. Os participantes ficaram alterados, inconformados. Tivemos sessões de linchamento aos que eram detidos, com a criticada polícia intervindo em favor dos que estavam sendo submetidos à tortura. Vigília em frente às barracas para defesa dos bens; acusações racistas ao movimento negro e hip-hop.

É a realidade tentando entrar pela porta da frente. Uma das formas como os pobres lidam com sua condição em relação aos ricos. Estuprando as pró-aborto, roubando aqueles a favor de uma distribuição de riquezas mais justa, sendo caçados e linchados pelos contra a invasão do Iraque e o militarismo no mundo. A realidade diante dos teóricos. A maldade diante dos que podem se dar ao luxo de serem bons.

Diferenças entre ricos e pobres, racismo, violência passaram finalmente a lugar de destaque para os participantes. As idéias para o novo mundo terão que lidar com esses aspectos do mundo atual. Enfim, o fórum e o acampamento deixaram de ser ideológicos passando a tocar e serem tocados pela realidade que os circunda. Resta saber como se lidará com tudo que passou a se apresentar nessa edição do fórum.

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