segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Diário Viagem Argentina e Chile 2005

Nao sei porque ainda estava com isso por aqui. Vou compartilhar, caso alguém ainda leia este blog...

E como gran finale o diário inteiro da Viagem pra Argentina e Chile de 2005. Achei que tinha a ver com o momento... Agora faltam ainda o diário da vivência do MST e uns textos soltos por uns cadernos soltos pra completar as obras. Esses textos são em grande medida quase textos, pouco desenvolvidos, idéias soltas, personagens. Mas dificilmente alguém terá paciência de ler...








Roteiro Provisório 1

19/07 Saída para Foz
20/07 Chegada em Foz, Saída para Santa Fé
21/07 Chegada em Santa Fé, Saída para Mendoza
22/07 Chegada em Mendoza, Saída para Santiago
23/07 Santiago
24/07 Santiago e Viña
25/07 Viña e Valparaíso
26/07 Viña e Valparaíso, Saída para Mendoza
27/07 Chegada em Mendoza, Saída para Córdoba
28/07 Chegada em Córdoba, Saída para Buenos Aires
29/07 Chegada em Buenos Aires
30/07 Buenos Aires
31/07 Buenos Aires
01/08 Buenos Aires, Saída para e Chegada em Montevidéo (barco)
02/08 Montevidéo, Saída para Floripa
03/08 Chegada em Floripa, Saída para São Paulo
04/08 FIM

Frases e Cenas e Brindes

Seu último compromisso antes de poder se dedicar e entrar de cabeça e sumir.

Era um desprezo contido e silencioso, travestido de simpatia

Só é possível se conhecer bem quando se conhece pouco. O tempo escasso é o que permite convicções e afirmações absolutas sobre qualquer coisa. Quanto mais se conhece, mais inseguras e imprecisas ficam nossas informações

Geladeira no quarto e maquina de lavar na pia da cozinha

Faz frio. Um senhor no bar, atendendo. Sempre que a porta é aberta, para o que está fazendo, como se se concentrando ou de tanto insistir o olhar quem abriu ou a porta por si voltasse ao lugar, bloqueando o ar e a passagem. O cliente espera para continuar o pedido.

Te lo meto por arriba
Te lo meto por abajo
Te lo meto pelo centro
E adentro

Nunca sobre ti
Nunca bajo tuyo
Sempre ao lado tuyo
Amigo mio


Dia 20

Chegamos em Foz. Decidimos fazer a viagem sem pernoites. Várias viagens, várias cidades. Hotel só em Buenos Aires (vide roteiro). Não sei se agüentaremos. Chegamos às 6 da matina, ótima idéia mesmo, tudo fechado. No ônibus para Foz, fronteira com Paraguai todo mundo se conhecia. Nem com o comentário que só a gente no ônibus estava fazendo turismo e com as outras pessoas sendo espalhafatosas como sacoleiros eu entendi. É bom ser ingênuo. Restam agora dúvidas: ir para o lado argentino, comprar passagem lá, ver as cataratas daqui, deixar as mochilas na rodoviária, sei lá. Dúvidas cruéis de quem não tem mais com o que se preocupar. Férias. Boas conversas tidas e prometidas. Tempo para se relacionar com as pessoas...

Uma mulher de 20 anos com quatro filhos. Ainda não tinha tudo o que queria como fogão, geladeira ou comida para a semana, mas tinha o que precisava: Uma tv, um celular, um sonho e muita determinação. Ligou para Ana Maria Braga, conseguiu falar, conseguiu jogar. Curiosamente, trocou o aparelho de DVD e o Grill que ganhara no quis por 1500 reais. Com 600 comprou a casa em que morava (por 20 reais ao mês) e ganhou da Globo uma tv colorida. Da apresentadora, uma cama de casal nova para toda a família (a que os 6 dormiam anteriormente já não estava mais em condições).
Estabelecendo prioridades e sabendo o que é essencial (como tv e celular) tudo é possível. Somos do tamanho de nossos sonhos. Sorte nossa possuirmos uma rede de televisão generosa e consciente de seu papel, divulgando tais exemplos.

Dia 21

Estamos cercados de argentinos mal humorados se espremendo no corredor, em pé, no ônibus para uma viagem que, pelo que se espera, vai durar 20 horas. O ar condicionado já não dá mais conta, esquenta. Devem ser 15 ou 20 felizardos, não vejo todos, o ônibus tem dois andares. Parece pau de arara essa viagem de 90 paus.
Trambiqueiros! Nossa passagem era duplicada, foi um rolo, sentamos em um lugar pior. “Mais adiante vocês trocam de lugar”. Era a única empresa que tinha para hoje Santa Fé, nas outras só dali a três dias. Coincidência não? Pelo menos estamos sentados e os argentinos mal humorados podem ser vistos como curiosidade ou bizarrice da viagem. Não somos nós. Outra curiosidade é que chove lama na janela. Não conseguiria explicar.
Já tivemos que mudar de planos mas nem tanto. Pernoitamos em Puerto Iguazú (lado argentino de Foz), mudamos de país três vezes para ver as cataratas do lado brasileiro, tomei um litro de Quilmes, a cerveja preferida dos argentinos e comi empanadas a um peso, que são uma espécie de salgado misturado com pastel. Procuramos baladas em vão.
Quase cancelamos a viagem por uma dormência parcial de boca causada por inchaço que lembrava uma picada e acarretava mal humor. Mas foi só o susto.
São 19 os excedentes, embalados agora por um choro de criança. Contei porque tiveram que descer na batida policial.
O policial me mandou calçar a bota. Devo ter feito cara de quem não entendeu porra nenhuma e depois de ouvi-lo repetir com todos os sinônimos possíveis ainda completei: Agora? Si, Ahora! Será que teria de descer? Decidi me fazer de desentendido ainda mais, ele seguiu conferindo documentos e malas cheias de pertences pessoais e presentes. Deveria ter discursado sobre a falta de sentido de algumas regras, sobre o abuso de autoridade. De que adiantaria falar sobre o excesso de pessoas como ele em certas profissões como polícia e serviço público para uma pessoa como ele? Só mais uma revolta silenciosa para arquivar na pagininha da Internet. Qual a mudança produzida em policiais ou leitores?

No momento existe uma única lâmpada acesa, justamente sobre a minha cabeça. Como se a realidade estivesse especialmente irônica, brincando de metáforas. Como se estivesse prestes a escrever algo genial. Sabemos que não será muito mais do que isso que agora apresento, apesar dos sonhos e pretensões. Rubem Alves diz que a emoção procura a inteligência porque deseja ser eficaz para realizar o sonho. Quem sabe...

Dia 22

Santa Fé... Diz a Luana que deve ser uma cidade muito religiosa. Não sei se os nomes continuam tão ligados aos seus significados.
No ônibus perdemos o dia inteiro mas estavam inclusos almoço lanche e janta. Estilo avião. Cabe imaginar a qualidade, lembrando que era ônibus e era de trambiqueiro. Com o passar da viagem ônibus ia se transformando com água e soda se agarrando aos restos e sapatos pelo chão.
Pelo menos vimos um filme sobre o espírito natalino com Bem Affleck. Um publicitário rico decide alugar a família que está morando na casa em que viveu a infância por 250.000 dólares. Ele os obriga a atuarem como sua família. O pai compra um carro, a mãe faz um ensaio fotográfico sexy e ambos recuperam a auto estima e o amor pela vida e um pelo outro. Ele obriga a irmã a sair para esquiar, tomam um tombo, quase se beijam, mas interrompem quando ela espirra na cara dele. Ele contrata então várias pessoas para fazerem uma surpresa para ela, mas ela acha um absurdo, como se ele tivesse querendo comprá-la e sai, puta da vida. Volta para pedir desculpas, afinal, tinha exagerado na reação. Isso bem no momento que a namorada chega para conhecer a suposta família. A menina, como irmã, começa a detonar a namorada de forma bem baixo nível, fazendo com que ele se apaixone e decida ficar com ela (a irmã). Muito bonito o filme, vale a pena pela mensagem de natal.

Chegamos aqui 4:30. Estamos tomando caféem um lugar estranho que se pretende refinado com porções de proporções francesas, mas artificial, industrializado. Estou sentado de frente para um grupo tomando cerveja. Às 5:20.
A garçonete é quase bonita. Ou já foi. Alta, descuidada, piercing, cabelo com luzes, polchete. Queria perguntar se ela gosta de Santa Fé. Chama a atenção, mas é desinteressante, caída, sem chama. Tem entre 18 e 30 anos. A cidade fez isso com ela? A profissão? Isso o que? Talvez seja casada com o dono do café. Perguntei se chamava cuchara, ela devolveu a pergunta. Colher. A palavra caiu, aplacando seu interesse muito contido ou falso.

Esperamos amanhecer para conhecer essa cidade sem grandes promessas. Uma cidade de meio de caminho. É, na verdade, a única que pode nos surpreender.

Discussão entre Rubens, de mãos molhadas no frio congelante, e o guardinha d'el baño, detentor d'el papel
(traduzido para portunhol para facilitar a compreensão).
-Que quieres?
-Papel
-Quieres contribuir?
-No tengo
-Si no hay contribuición, no hay papel.
Me senti na Paulista conversando com um Hare Khrishna

Passamos por uma senhora na frente de uma igreja que nos olhou como se estivéssemos profanando. Pensei logo que na verdade idealizamos e sacralizamos tudo em nossa volta através dos olhos do estranhamento, de quem não está imerso no cotidiano que nos cega para as pequenas belezas e descobertas. Não é nada disso. Invadimos espaços alheios regidos por leis que nos são invisíveis, violamos seus gestos e silêncios e exclamações como se fossem, suas vidas e casas e ruas, souvenires à nossa disposição, em exposição para o sempre curto tempo de estadia. Museus de cera e maquetes a serem comentados, apalpados.

Dia 23

Passamos mais uma hora conectados a internet. Aproveitando a viagem para continuar ligados ao mundo do mesmo jeito que em São Paulo. Distante e virtualmente. Passamos por outra fronteira e o maior controle que se fazia era com relação à frutas. Um puta esquema de segurança. Cópia dos EUA, o maior problema do Chile é com maçãs e bananas.

Cada vez mais longe de casa, tivemos já algumas discussões e caras feias mútuas. De se esperar. Quem não discute nem discorda deve ter algum problema muito sério...

Por mais longe que se vá (alguém disse não me recordo quem), sempre se está consigo. Não há como fugir disso. Estamos em dois com vários momentos de silêncio e de ensimesmamento. Queremos fugir de elementos que estão muito presentes, que nos são. Temos paisagens e filmes de ônibus e internet para tentar aliviar um pouco. Um tentando divagar para escapar ao próprio tédio, outro tentando descrever para ordenar, planejar o próximo, escapar a toda confusão...

Completamos 72 horas sem banho. Até eu que não sou o mais limpinho do mundo já começava a ficar apreensivo. Muita gente faz ou fazia isso. É estranho. Muito tempo sem olhar para o próprio corpo.

Absolutamente sem idéias no momento. Depois preciso fazer um levantamento de quantas palavras se repetiram e quantas vezes...

Rever amigos, ver neve, experimentar tacos, desistir da balada porque não agüenta e deitar na cama de ciroulas para amanhã pular da cama. Deprê...

Santiago me lembrou São Paulo. Ficar atento a todo momento para não te passarem a perna. Não é passeio, é conhecer para ir embora.

Dia 24

Notas curtas de um rapaz com sono:
Acordar com a luz do sol, aos poucos, e os bocejos produzirem a famosa fumacinha
Pablo Neruda: casa linda e história sensacional de alguém com muita grana. Assim é fácil ser comunista.
Cidade muito desigual e nitidamente dividida, entre pobres ao sul, classe média no centro, ricos ao norte e muito ricos mais ao norte. Diferença de limpeza, iluminação, qualidade do asfalto, etc
Comidas diferentes, Paila Marina (sopa) e Ceviche (peixe cozido no limão). Possibilidade de provarmos qualquer coisa diferente durante a viagem. Outras formas de ver, comer, ser. Ninguém nos conhece, não precisamos nos repetir para provarmos ser nós mesmos.
Qualquer casal se encostando está me deixando louco (como o do metrô). Necessidades biológicas básicas não satisfeitas.

Dia 25

Por aqui, o escândalo da mídia da vez é de uma televisiva cuja amiga declarou que era amante. Estão explorando por todos os meios e um deles era uma rádio propondo a discussão: a orientação sexual no Chile é algo que pode ser abertamente discutido? Entre opiniões de ouvintes distantes e próximos achando que era um retrocesso, acabei lembrando de alguns amigos e conversas nacionais e me dei conta que isso não é feito em grandes escalas no Brasil. Ou quando é, se evolui para considerações que, eu diria, são mais ponderadas. Foi outro exemplo do poder da mídia, ainda não me acostumei. A menina propôs e a discussão se desenvolveu al tiro como dizem por aqui, bem na minha frente, todos ligando...

Roteiro Provisório 2

19/07 Saída para Foz
20/07 Chegada em Foz
21/07 Saída de Foz
22/07 Chegada em Santa Fé, Saída para Mendoza
23/07 Chegada em Mendoza, Saída para Santiago, Chegada em Santiago
24/07 Santiago
25/07 Santiago e Viña
26/07 Viña e Valparaíso,
27/07 Saída para Mendoza, Chegada em Mendoza
28/07 Saída para Buenos Aires
29/07 Chegada em Buenos Aires
30/07 Buenos Aires
31/07 Buenos Aires
01/08 Buenos Aires, Saída para Montevidéu e Chegada em Montevidéo (barco)
02/08 Saída para Floripa
03/08 Chegada em Floripa, Saída para São Paulo
04/08 FIM

Então, quando parecia que nada mais fazia sentido em nossa vida e que o sistema bancário só existia para nos fuder, chegamos no Chile. Afinal de contas eles têm o primeiro banco que nos quer feliz e a Psicologia nos garante encontrar a paz interior. Muito melhor que no Brasil. Pelo menos é o que dizem os anúncios. Teremos que mudar para Santiago.

É pela diferença que formamos nossa identidade. Isso diz alguém da Esquizoanálise e faz realmente muito sentido. É no encontro com aquilo que nos é estranho que sabemos o que somos. Alegre ou lamentavelmente. Para que tenhamos segurança com aquilo que somos ou para que caiamos na incerteza. Aliás, o nosso ser e como o percebemos está indissociado do nosso estado, ser e estar. Nos possibilita maior mobilidade e mesmo as características mais arraigadas são estados nos quais nos quais nos encontramos e portanto, não nos são eternos nem absolutos. Constituição do ser em estados mais ou menos duradouros...
Estamos em viagem, em trânsito, podendo comparar português e espanhol, guardas e motoristas de ônibus brasileiros e chilenos, experimentar bebidas e frutas, modos de ver e de se expressar, o que nos é próprio, o que gostaríamos, o que não somo. Para meus amigos que mostram a cidade há um exercício de lhes descobrir o que é característico e o que é banal, ordinário. Resgate nos automatismos do cotidiano daquilo que, para quem visita, salta aos olhos

Quero fazer um diário de viagem para minha vida em São Paulo...

Novamente a única luz acesa em todo o ônibus está sobre a minha cabeça de modo que, quanto mais confortável eu me ajeito, mais claro e incômodo fica meu campo de visão. Estou me sentindo em um filme de Woody Allen. Se fosse uma peça de teatro, seria meu o foco e como todos estão dormindo, falaria em alta voz o que estou pensando. Mas não consigo pensar em nada. Em nada. Só na necessidade de pensar em algo.
Será que perdi minha deixa?

Algumas crianças bagunçam e se divertem e choram enquanto vários adultos tentam descansar. Mais cedo ou mais tarde aprenderão a ficar quietas. Paradas e caladas esperando a viagem chegar ao fim.

Dia 26

Caminho Pacífico

Lá estava o pequeno Wilbor* pela primeira vez. Descortinava-se à sua frente como se fosse intransponível. Seu corpo como que tomado por ondas de ansiedade. Excitação e temor. Tirou, à princípio, fotos de longe, precavido, como era de seu feitio (ao menos ultimamente). Pisou, por fim, no solo incerto e instável. Os sons, ritmados e sedutores, o envolviam e aproximavam. Resistia e se afastava para novamente encurtar a distância em cambaleantes passos de tango (não estivesse ele no Chile). Queria tocar, estava confiante. Prestes a, no meio do fôlego, foi engolido. Risadas e flashes. Pegadinha? Saiu encharcado.
*O nome foi trocado para preservar a identidade do narrador

Descrição do companheiro de viagem
Por: Companheira de viagem
Primeira Parte depois de muita insistência

Para a Alemanha eu queria ir, mas acabei encontrando um menino que sonhava muito, sonhava em ir pra Machu Picchu. Quem diria que realmente acabaria com ele no meio dos Andes, brincando de guerra de bola de neve.
Verdade que ele quase não chega a tempo para viajar. Atraso de 5 minutos não é atraso, diria ele.
Menino sapeca e sorridente. Gosta de fazer as pessoas sorrirem e tem talento para isso. Um pouco desligado, o que é bom em alguns momentos, me divertindo com a sua demora para notar que nossos companheiros no ônibus são sacoleiros e podendo me tirar do sério às vezes, como quando esqueceu o número de onde iríamos ficar no Chile em São Paulo.
Toma o banho mais longo do mundo, mas tira fotos legais e sabe usar o manual da máquina (não que tomar banho tenha a ver com tirar fotos boas).
Diz que sou reclamona, mas vive reclamando das minhas reclamações. Tira sarro quando esqueço o nome das comidas, mas no fim me diz qual o nome certo.
Temo por ele. A maldição da viagem diz que ele ainda vai ser atropelado já que, como disse ele por aqui, às vezes ele é meio desligado.
Mas me protege dos buracos que insistem em me perseguir.
Menino de conversas boas, já está até aprendendo a fazer trocadilhos, ele não é muito bom em piadas ruins.
Discordamos sempre das estatísticas sobre o Brasil. Mas parece ter mais sorte nas apostas...
Parece que continuamos nos dando bem, mesmo nessa convivência ostensiva, mesmo nos conhecendo a menos de 1 ano (incrível como faz pouco tempo...)






Dia 27

Os sonhos se constroem a mão e sem pedir permissão

Os esquimós têm dezenas de palavras para descrever o que para nós é simplesmente branco. Sua sensibilidade é apurada para as formas que neve e gelo podem assumir. Ao contrário dos trogloditas sem coração e sem reconhecimento artístico que, aposto, vão encher o saco pelas dezenas e dezenas de fotos que tiramos na neve.

Ontem tive câimbra no maxilar.
Deve ser Lesão por Esforços Repetitivos...

Lingüiça, salsicha, alguma cebola, um pouco de ovo, carne por cima de uma montanha de batatas fritas. Uma verdadeira revolução na cozinha contemporânea. 20 reais, quatro pessoas satisfeitas e felizes.

Dia 28

São exatamente seis horas da manhã. Estamos acordados, banho tomado, quarto em ordem, à espera de um passeio que pode não existir, ansiosos, achando que seriam sete, como o relógio com fuso desatualizado dizia.
Álvaro e Muchy foram excelentes anfitriões, ficaram mais do que nos ciceroneando, ficaram nos pajeando. Quase mimando. Solícitos, bem humorados, disponíveis, animados. Excelentes guias, do nosso lado o tempo inteiro nos levando pra cima e pra baixo das ladeiras de Valparaíso, mistura de Olindo com a Sicília. É diferente, prático, inusitado andar com pessoas que moram na cidade. Sempre pontos turísticos não oficiais. Empanadas macentas no parque, fotos queima-filme nas baladas, biscoitos da vovó com Everest Sul Americano de fundo, todo mundo junto no escorregador de pedra escondido ao lado do elevador panorâmico, aulas sobre investimentos públicos em bairros ricos e pobres de Santiago em um passeio de carro, ajuda na composição em Português do violeiro que parou e veio pedir, alguns amigos de copo (como era de se esperar) de uma noite, novela chilena. Genial, sensacional, eu diria. Levo um brinde, Pisco e muitas fotos.

Nunca sobre ti,
nunca abajo tuyo,
sempre al lado tuyo
amigo mio.

Talvez estejamos prestes a ter que decidir entre um passeio de um dia pelos Andes e um de barco pelo rio Prata até Montevidéu...

Estou com medo dos meus amigos porque se eles são tão legais é porque, na verdade, estão escondendo algo muito ruim, tentando compensar o que, apodrecido, insiste em exalar. É assim que é, os egoístas são simplesmente pessoas mais conscientes da própria condição. Viva a Psicanálise, ícone do iluminismo pós-moderno, mostrando caminhos nesse mundo incerto, revelando a hipocrisia fundante de toda bondade humana e anulando-a. Quem é que nunca ouviu: “Você só ajuda os outros porque te faz bem, te satisfaz, te realiza pessoalmente”? Seria possível inverter a frase? “Você só pensa em você, só é egoísta para satisfazer seus conhecidos, os outros, a sociedade que tanto valoriza o individualismo, o egoísmo, o self-made man”? (aliás self-made man, outro ícone que nos acompanha e nos constitui...)



Dia 29

Estamos sempre chegando, conhecendo, saindo. O suficiente para ser marcado e tocado. Algo de especial, muitas fotos. Nada que dure para que se repita ou se arraste em monotonia. Sempre em passagem, sempre caminhando. Serão cinco dias em Buenos Aires.

Pensamentos interrompidos por conversa ora em Portunhol, ora em Inglês de uma pessoa que depois se revela francesa. Momentos fascinantes.

Nessa porcaria de diarinho, como se fosse um grande pensador, a partir de acontecimentos insignificantes, refletir, compreender, tirar lições e verdades sobre as essências por detrás das coisas. Sou mesmo muito bom e sensível. Sorte de quem lê.

Tento falar, penso, construo as frases, mas elas saem trincadas, incompreensíveis, não cumprem sua função. Confundo sons e línguas e sentidos na possível incomunicação previsível.

Numa vigem é possível que se escolha quais serão as sensações. Improvisada em barracas, conhecendo gente em albergues, exibindo cultura em lugares históricos, natureza em hotéis fazenda, compras no Paraguai, em um quarto confortável em um hotel caro, pacotes turísticos dos mais variados. Assim, a viagem vai se fazendo, no inesperado, no imprevisto (que é o previsto nas viagens improvisadas). No "não era bem isso", para além do "é mais bonito que eu esperava". Rupturas no concreto de onde brotam os musgos de chuvas e chuvas e chuvas inférteis.

General San Martin. Militar e religioso, que combinação estranha... Lutou pela indepedência da Argentina, Chile e Uruguai, ganha após vários confrontos com espanhóis. Depois, o que era a República do Prata (ou algo assim...) se dividiu nos três países. Seguem períodos de turbulência, golpes de Estado, presidentes que renunciam. Como na maioria dos países latino-americanos. Por aqui ficamos independentes com o filho do imperador da Metrópole, sem grandes surpresas, povo ordeiro, festeiro, receptivo. Sem guerra, sem sofrimento, deu-se um jeito quando foi necessário. A partir daquele momento foi-nos dada a independência. O nosso mártir era um coitado, traído, de um movimento aristocrático sem grande relevância do qual era o mais pé-rapado: Nosso herói. Algum outro? Saci? Macunaíma???

Dia 30


O pequeno Yamamoto nasce em uma pequena cidade numa província rural do Japão do início do século. Filho de camponeses, destino traçado, pai, cujo único momento de convívio e sorriso era o anterior à ceia. Religiosamente sintonizava, no rádio conseguido à duras penas, Mozart e Bach. O menino odiava. Atraiam-no as grandes cidades, visitadas de tempos em tempos, as novas tendências. Um som particularmente intenso e sensual era o elegido para as escassas horas de lazer que dispunha então.


Saiu de casa, teve filhos, envelheceu, teve tempo. Cultivava sua paixão, ordenado e dedicado. Aprendeu a escrever, conseguiu se aposentar. Aprendeu os significados de traduções que lhe faziam e a falar um pouco de espanhol, dramaticamente. Conheceu as histórias e os principais sucessos. O que cruzava o Pacífico lhe caía às mãos. De forma tímida e demorada, economizou para realizar um sonho. Sem conseguir se fazer entender, sem conseguir se comunicar, o senhor Yamamoto, com seu primeiro terno novo e sem conhecer ninguém, comprou passagens, reservou hotel. Saiu à noite, cheirando água de colônia, com ingressos no bolso, pelas ruas de Buenos Aires.

Dia 31

Sala escura, janela aberta. O gato se aproxima para ouvir o som da rua e permanece. Então, volta.

Os argentinos não lavam as mãos depois de usar o banheiro. Eis um problema: Seria um hábito cultural, ou nos lugares que eu fui é que isso acontece com frequência? Ou ainda, não aconteceria o mesmo no Brasil e eu é que não me dou conta? Só é possível afirmar sobre aquilo que conhecemos muito pouco. Quanto mais se conhece, menores as certezas. Só é possível se sentir próximo do que se está distante.



Carregadores de mudança são personagens fantásticos, devem ter várias histórias ótimas...



Cama adentro. Idéia simples, bom filme, como diria o Gaúcho: Bom para o que se propõe. Relação entre patroa e empregada doméstica que foi para além da financeira (óbvio, já que foram 28 anos) e desdobramentos quando o dinheiro acaba...

Dia 1º. De Agosto de 2005. Buenos Aires

Querido diário
Por aqui tudo ótimo! Estou curtindo muito a viagem! A Lu é super gente fina e companheira. A gente se dá super bem. Que bom, né? Já pensou se fosse uma chata?
Estamos em um passeio de barco, quase madrugamos e estamos morrendo de sono. Vai ser nosso terceiro país em duas semanas! Pena que está acabando L
Bom, agora deixa eu ir lá pra aproveitar muitão os últimos dias antes das aulas

San Telmo foi muito interessante apesar de ter presenciado seus três filhos. Um no colo enquanto ela pedia dinheiro, os outros dois eram obrigados a tocar sanfona e sorrir e pedir contribuições. O instrumento preso entre as mãos. Uma menina que devia ter uns 6 anos e um menino que não devia ter nem 3.
Tirando essa parte mais trash, muitos artistas de rua e antiguidades. Violões, shows de tango, teatro, homens estátua, fantoches e uma velhinha tocando uma mini bateria, entre outros. Será possível viver de arte? Será desejável?
La Boca, por sua vez, é diferente. Lá tinha até umas coisas mais interessantes na feira, mas soava artificial demais. São duas ruas no meio de um bairro pobre, montes de cortiços. Arte não combina com pobreza? É por isso a impressão de artificialismo? Como se o bairro não tivesse uma “vocação” para arte.

Viajar, conhecer outras culturas, outras formas de ver o mundo, de ouvir música, de ir ao banheiro. Outras árvores, pores de sol, comidas. Comemos chorillanas, choripan (pão com lingüiça) ceviche (peixe cozido no limão) pailla marina (caldo com frutos do mar) empanadas (espécie de salgado), tacos com carne e abacate (essa é mexicana). Experimentamos alfajores, refrigerante de pomelo, bife de chorizo. Sábado, comemos no Burguer King. Isso, para mim, seria o equivalente a chutar a santa para o religioso ou dizer que Freud era incompetente para um psicanalista ou dizer que Friends é sem graça. Enfim, uma heresia. Politicamente muito incorreto. A comida mais cara da viagem. Fiquei me sentindo culpado, deprimido, o que eu havia feito, meu deus??? Aí me lembraram que o politicamente incorreto é bom, a contradição e tudo mais. Deu uma aliviada. Burger King como desterritorialização da esquerdinha uspiana, a subversão no fast food.

A viagem durou o tempo de um suspiro. O tempo voa quando a gente se diverte...

Lembrar da história do coronel com mulher e criança na praia e da bulímica na ceia de natal.

Passamos por Colônia fazendo turismo de tiozão. Sem andar, comendo a cada parada, dormindo onde desse para encostar, conhecendo só o script do city tour. Mesmo assim, bem legal. Justifica o nome de Paraty uruguaia.

Dia 2

Pelo tempo de um suspiro vivemos muitas coisas, compartilhamos muitas coisas. Começamos uma viagem e acabamos fazendo outra completamente diferente, nem dá pra comparar uma com a outra. Nos jogamos na estrada em uma seqüência de cidades desconhecidas.
Muda aqui; troca o começo com o fim; fica mais um dia; passa, não fica; novos sabores e sabores (re)conhecidos.
Sabemos muito mais um do outro, o que não gostamos um no outro, o que gostamos. Sabemos que conseguimos conviver dias a fio sem problemas, ou melhor, resolvendo os problemas. Um ótimo convívio.
Rimos juntos, ficamos em silêncio juntos. Traí você na neve, você me traiu no cemitério. Estamos quites.
Dias de fartura, dias que esquecemos de almoçar. Eu te dou meu chá (tê) e você divide o suco comigo; você não gosta de janela e eu não gosto do corredor, mas ainda assim você troca de lugar comigo para eu ver o filme (ruim, talvez).
Um bom companheiro no frio de Santa Fé, na neve de Mendoza, no calor surpreendente de Santiago, nas noites de Valparaíso, no tango em Buenos Aires, no pôr-do-sol (que não era bem pôr-do-sol) em Colônia e mais comumente uma boa companhia nas horas e horas de estrada.
A viagem chega ao fim, mas não ficamos sem perspectiva. Nossa amizade foi saboreada com direito até de neve. Muitas viagens virão, pra mim, pra você e por que não, pra gente. Mas um pouco vamos levar desses quinze dias latinos.
Impressionante o quanto cabe no tempo de um suspiro!

Um beijo, um abraço
Sempre ao lado tuyo
Amigo mio
Com carinho
Luana

Dia 03

Ontem fomos fazer compras pela cidade. O dinheiro tinha acabado, o cartão dava problema, resolvemos não aceitar os sinais divinos e, contra tudo e contra todos, saímos pela cidade acumulando recordações e mais recordações. Tudo o que o nosso (escasso) dinheiro pôde permitir em emoções futuras. Chocolates, meias e livros, basicamente. Pela rua, várias sacolas cada um, como pelas ensolaradas alamedas de Miami.

Amostra do humor de ótima qualidade durante a viagem; baseado em slogans com trocadilhos:
Por faflor (pedindo favor pra Luana Flor)
Desnível, um restaurante de nível (sobre o restaurante desnível)
Maraviña (sugestão de slogan para a cidade de Viña del Mar no Chile)

Conforme o tempo da viagem para São Paulo vai passando vão ficando distante as lembranças das férias gostosas na Argentina e no Chile e se aproximando as lembranças das pendências e obrigações que nos aguardam em casa. Meio deprimido de voltar para a realidade.
Está aí uma coisa pela qual ganharia dinheiro: Para viajar. Passar um tempo acumulando para depois gastar. Tem outras coisas com as quais quero gastar meu dinheiro. Outros sonhos obtidos com a moeda de troca. Como as viagens são. Você vai ficando velho conforme vai desistindo de fazer as coisas de outra maneira. Mais e mais entendendo a lógica e entrando nela e desistindo de mudá-la. Coisas ficando mais e mais naturais.
Talvez devesse largar tudo e viajar e ir ganhando dinheiro conforme fosse precisando. Certamente não é esse o sentido da minha vida. Talvez, mesmo assim, deva fazer por um tempo. Não sei se conseguiria. Vamos nos enredando de tal forma em obrigações que muitas vezes não fazem sentido, mas prosseguimos, é o que temos que fazer. Isso é amadurecer, ter responsabilidades. O lado ruim do esforço para obter mariores satisfações? Quais seriam elas? Dinheiro?
Deveria ter escolhido uma carreira melhor remunerada para me divertir e ser feliz aos finais de semana.

As pessoas não tem o costume de pensar sobre as coisas que fazem e muito menos de falar sobre o que pensam. Passivos, levando e levando a vida para onde o vento sopra.

Criar uma comunidade no orkut da blogterapia com as seguintes regras:
- Ter um blog.
- Entender a importância e necessidade de comentários para efetividade do espaço.
- Freqüentar e comentar pelo menos outros dois participantes do movimento


Um rapaz fazia câmbio informal na fronteira entre Brasil e Argentina. Por ótimos preços com a conivência das “autoridades” entrava nos ônibus que iam em direção a terras brasileiras com gigantescos maços de dinheiro, oferecendo reais por pesos.
Uma senhora. Devia ter mais de 50. Daquelas que se maquiam exageradamente para parecer de espírito jovem, com roupas extravagantes e reluzentes. Em um albergue da juventude fazia sua base para compra de roupas hippies/indianas que revendia em sua lojinha em alguma cidade desconhecida do interior.

Nosso corpo é um espaço sensual, ou seja, de sensações. Negligenciamos a maioria dos estímulos que chegam até nós e brincamos muito pouco com as possibilidades que poderiam ser criadas, inventadas. Novamente, somos receptáculos vazios. Existe uma parte especialmente esquecida, as possíveis modificações endógenas que estão ao nosso alcance provocar por meio de: Remédios, álcool, drogas, café, chocolate, carne, frituras, exercícios físicos, formas de respirar e transar. Qualquer mudança desencadeia uma série de reestruturações hormonais, de humor e de percepção. Tanto tirar quanto acrescentar, mudar de forma ou de intensidade. Por que não experimentar?

"Vivemos pelo poder das coisas que não existem"
Valery

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