domingo, 23 de março de 2008

Moinhos de Vento?

Artigo que talvez saia em uma revista de viagens. A ver...
O final brega foi censurado e será substituido


Moinhos de vento?
Sempre tive uma imagem de que a Holanda era um país liberal onde as pessoas faziam o que bem entendiam sem que ninguém se importasse. Tinha curiosidade de saber como seria viver em um lugar desses. Tinha curiosidade de saber como eu me sentiria ai, sem tantos tabus. Ouvia dizer também que contraditoriamente, entre tantas idéias inovadoras ou corajosas, vivia ali um povo muito conservador e racista. Encontrei companhia e fui caminhar por lá.

Respeito à diferença: Viver e deixar viver
Chegamos em Amsterdam com sua atmosfera super liberal, com seus coffee shops e suas putas “em vitrines”. Duas referências do país e provavelmente reponsáveis pela maior parte dos turistas que chegam em Amsterdam querendo sentar num bar e escolher no menu qual a procedencia da sua maconha ou querendo experimentar a sensaçao de se sentir atraido por uma mulher nua na rua e poder entrar e pagar sem constrangimentos.
Além dos turistas a vida nesses lugares é bastante “normal”. Talvez estivessem pelo distrito vermelho um ou outro senhor para encontrar suas acompanhantes de muitos anos, algum grupinho de amigos pra perder a virgindade, mas também estavam passeando pelo bairro casais, crianças e aposentados que deviam morar por perto. Talvez houvesse nos coffee shops um ou outro universitário comprando seu haxixe semanal, exatamente como no Brasil, ou na Espanha. Mas também o amigo do dono tomando um café depois do serviço.
A vida nao é tao diferente, as pessoas nao sao tao diferentes. Só nao estao tao preocupados, como a gente, em esconder algumas sombras. Estao acostumados e convivem com essa realidade abertamente, e já nem consomem, já que o que nao é mais proibido deixa de ser tao gostoso e se pode ver o que há de bom e o que há de ruim na prostituiçao e nas drogas que sao proibidas por aqui. No caso do aborto, por exemplo, alí é permitido e se pratica 10 vezes menos do que na América Latina onde é proibido na maioria dos casos.
Nao se trata de poder fazer tudo. Os coffee shops exigem documentaçao, só vendem para maiores de idade e nao se pode consumir nada nas ruas e nos espaços públicos. Ou no local ou em casa. É tudo regulamentado pelo estado e sem tanta hipocrisia ao redor. Ninguem vai passar mal porque misturaram alguma outra substância desconhecida no beque. Um problema social talvez, como alcool ou tabaco, que deve gerar gastos de saúde pública que sao pagos pelos impostos de todos.A prostituiçao fica reservada a uma zona de Amsterdam e é uma profissao, ou seja, elas pagam a seguridade social, sao empregadas legalmente e podem ter uma vida um pouco mais digna. Talvez existam agenciadores – os cafetoes – mas nao podem fazer o que bem entenderem com as mulheres, humilhando e maltrantando e escravizando como acontece onde é ilegal. Além disso, me deu a sensaçao de que elas podem escolher se querem ir ou nao com quem chega por ai.
O respeito às diferenças é sentido também no caso da orientaçao sexual. Passamos por diversos edificios com a bandeira do arco-iris, hotéis, lanchonetes e lojas de roupa e nenhuma era exclusiva para o público gay. Acho que era uma questao de poder falar abertamente de quem voce é e partir daí, quem quisesse entrar que se sentisse à vontade. Os imigrantes também estao mais integrados à sociedade, falam a língua e trabalham, nao como em outros países europeus onde estao chegando ilegais e invisiveis para viver em guetos.
Enfim, existe um clima de que voce pode fazer o que bem entender na cidade. E isso, contrariando as minhas expectativas, nao cria uma atmosfera hippie, alegre ou colorida. As pessoas estao ali, fugindo da chuva (em Amsterdam e em toda Holanda chove quase todos os dias), alguns mal humorados, todos com suas bicicletas, vivendo e deixando viver.

Bicicletas e charmosos canais
É impressionante a quantidade de gente que anda de bicicleta. O país é todo plano, o que facilita bastante a coisa. É bicicleta por todos os lados, em cidades grandes e pequenas, algumas sao deixadas na rua sem cadeado, outras em estacionamentos dignos dos shopings paulistanos, tres ou quatro andares só de bicicletas. Sao crianças indo para o colégio, adolescentes de madrugada voltando das festas, idosos fazendo compras, executivos engravatados indo ao trabalho, familias inteiras. O código de transito é especial, com sinalizaçoes de braço para mudar de pista, virar para a direita... Eles têm biciletas de 2, 3 pessoas, bicicletas para entregas, para carregamentos mais pesados, para ir com recém nascidos, “para ensinar a criança desde cedo”. Existem vias exclusivas em todas ruas e avenidas e rodovias, espaço especial para viajar com elas no trem.
Para entrar no clima, no segundo dia alugamos bicicletas e fomos fazer umas trilhas por parques naturais. O país é bem pequeno, menor que o Estado do Rio de Janeiro e em três horas chegamos no Mar do Norte, que é bem mais feio do que imaginávamos. Existem trilhas bem demarcadas e parece que é possível conhecer toda a Holanda pedalando em poucos dias.
Nos outros dias passeamos por cidadezinhas cheias de canais e bicicletas e mulheres loiras, que estao em forma, ao contrário da imagem que tínhamos de senhoras gordinhas e coradas de lenço na cabeça e tamancos nos pés. As cidades sao um pouco parecidas entre si, estilo medieval, umas mais preservadas e charmosas do que outras. E sem tanta influência romana como é o caso de Espanha, Portugal, França, Itália e América Latina, ou seja, vale a pena ver como sao organizadas espacialmente.
Algo curioso é que eles quase nao tem praças, quase nao existem esses espaços ao ar livre - a única coisa que eu vi foi uma feira. As pessoas passam seu tempo livre ou em casa, ou em restaurantes, bares, discotecas, talvez para fugir do frio e da chuva. É de se perguntar se essas caracteristicas climáticas tem alguma influência sobre como o povo se relaciona entre si, como quando dizem que nos países tropicais as pessoas sao mais alegres e simpáticas.
Fomos também até Rotterdam, que tem mais cara de cidade de verdade, sem tantas bicicletas, pessoas com pressa, negócios. Acho que é a única cidade por ali com cara de moderna, já que depois de ser inteiramente destruida durante a segunda guerra, optaram pela criaçao de outros edificios e nao pela restauraçao do que havia.
Se esse texto servir para os leitores como incentivo para conhecer os Países Baixos sugiro, além da óbvia Amsterdam, Alkmaar, de onde saímos para a trilha e de onde saem várias trilhas muito bem sinalizadas, e Delft, uma pequena e muy agradável cidadezinha medieval.

O prazer de viajar
O objetivo dessa viagem e desse texto era pensar sobre as diferenças que existem entre o meu jeito de ser e o dos holandeses, nossas realidades, nossas visoes de mundo, e acho que consegui pensar em muitas coisas. Mas tudo o que está escrito acima nao é imparcial, nem definitivo nem absoluto. Nada mais é que uma experiência de viagem, um diário daquilo que me marcou quando deixei meu lugar de sempre e decidi ir ao encontro de algo que nao me é familiar, quando decidi me abrir à possibilidade de ser tocado por uma realidade que nao é a minha. E essa decisao nao ajuda somente a conhecer outras culturas, cidades ou países, me ajuda a conhecer a mim mesmo, a como vivo a minha vida e, além disso, a pensar como posso vivê-la. Ao sair de onde moro tenho melhores condiçoes de perceber como moro. É fantástico. Que sirva de convite à viagens!

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