sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Confissao em forma de resposta

Em Sao Paulo estao todos os filmes que se podem ver, ou quase. A internet nos poe em contato com toda a informaçao disponivel no mundo. Telefonar é barato. Viajar por todo o mundo já possível para quem trabalha. (Quando estou prestes a entrar em um vôo, tenho a sensaçao de que a distancia é maior entre a mesa do check-in e o aviao, quando tenho que andar, do que entre uma cidade e outra, quando estou sentado). Podemos estar em qualquer lugar a qualquer momento e no fim das contas nao conseguimos estar presentes onde estamos. Sempre falta, sempre pode ser mais, sempre pode ser outra coisa.
Diante de tantas possibilidades, diante de tantas promessas e projetos que estao aí prontas para serem consumidas, prontas para levar, nao consumimos e nao levamos.
É como se estivessemos em um grande restaurante self service: Se paga caro e nao se sabe quando teremos outra oportunidade, nao aguentamos comer de tudo, nunca temos certeza de como começamos, se sobrará espaço para a sobremesa; se nos decidimos por fazer uma refeiçao equilibrada e limitada sempre fica uma curiosidade de como estava o quiche de abobrinha, a feijoada, se aquilo que escolhemos realmente está bem preparado e saboroso aquele dia. Isso sem falar que sempre passamos mal depois de tanto comer.
As pessoas que vivem contentes de arroz e feijao nos assustam. Estao aí, cada dia com o mesmo, sem se preocuparem em explorar a riqueza dos sabores possíveis. Algumas, ainda por cima, simplesmente sobrevivem, se é com arroz e feijao está bom, se nao da-se um jeito, e esperam as chuvas do inverno quando faz calor, a seca do verao quando chega o inverno, as chuvas de inverno quando chega o verao... Estejam como estiverem as paredes da casa, o preço das batatas, o Presidente da República, a filha da vizinha. Como insetos que, diante de um predador, se concentram em passar despercebidos, em respirar imóveis.
Quem sabe o desespero que sentimos nao é pela falta de horizonte dessas pessoas, mas por saber que basta um sorriso ou um estender de maos para que elas saiam de seu estado de dormência. Por isso desenham tao colorido, por isso nos veem tao bonitos. Basta estar ali também para que se deparem com a falta de opçoes, com a crueldade, com a crueza. O desespero pode ser por saber que se há para essas pessoas algo além das estaçoes do ano regados a arroz e feijao e farinha nao será fácil de encontrar e conquistar e será muito dificil de manter, e que nao podemos fazer isso por elas e nao sabemos se elas sao capazes.
Sem esforço a vida é miserável. E parece que contentar-se com o que existe é deixar de viver em plenitude. Mas nao haveria, também entre essas pessoas, desejo de sexo, de cidade, de rede, de lago? Os sonhos podem ser miseráveis, insuficientes? E os nossos? Essas pessoas e suas vidas nao poderiam ser entendidas como um retrato exagerado da nossa própria miséria? Nao seríamos nós mesmos pobres espíritos presos em um cotidiano mais ou menos complexo, alimentando-nos de sonhos mais ou menos grandes e distantes?
Acontece que, por sorte ou azar, talvez já nao nos baste um jardim florido, uma sessao de cinema. Fomos arrancados dos lugares que estavam marcados e vagamos procurando sentido, com medo de estancar, com medo de perder o tempo, a vida. Com medo de nao perceber nossas tantas imperfeiçoes. Com medo de nossas tantas imperfeiçoes

3 comentários:

Renato Tardivo disse...

um bonito acerto de contas.

Anny Carvalho disse...

Fazia um tempo que n�o passava por aqui...
Mas seu n�vel nunca cai..n�o � mesmo?!
Adorei este...
Um beijo.

Carolina disse...

pois é, pois é... nós, os miseráveis...