quarta-feira, 27 de junho de 2007

Não falo do amor daquelas paixões meladas

Não falo do amor romântico,

Aquelas paixões meladas de tristeza e sofrimento.

Relações de dependência e submissão, paixões tristes.

Algumas pessoas confundem isso com amor.

Chamam de amor esse querer escravo,

E pensam que o amor é alguma coisa

Que pode ser definida, explicada, entendida, julgada.

Pensam que o amor já estava pronto, formatado, inteiro,

Antes de ser experimentado.

Mas é exatamente o oposto, para mim, que o amor manifesta.

A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído, inventado e modificado.

O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita.

O amor é um móbile.

Como fotografá-lo?

Como percebê-lo?

Como se deixar sê-lo?

E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor nos domine?

Minha resposta? o amor é o desconhecido.

Mesmo depois de uma vida inteira de amores,

O amor será sempre o desconhecido,

A força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão.

A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação.

O amor quer ser interferido, quer ser violado,

Quer ser transformado a cada instante.

A vida do amor depende dessa interferência.

A morte do amor é quando, diante do seu labirinto,

Decidimos caminhar pela estrada reta.

Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos,

E nós preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim.

Não, não podemos subestimar o amor não podemos castrá-lo.

O amor não é orgânico.

Não é meu coração que sente o amor.

É a minha alma que o saboreia.

Não é no meu sangue que ele ferve.

O amor faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito.

Sua força se mistura com a minha

E nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu

Como se fossem novas estrelas recém-nascidas.

O amor brilha como uma aurora colorida e misteriosa,

Como um crepúsculo inundado de beleza e despedida,

O amor grita seu silêncio e nos dá sua música.

Nós dançamos sua felicidade em delírio

Porque somos o alimento preferido do amor,

Se estivermos também a devorá-lo.

O amor, eu não conheço.

E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo,

Me aventurando ao seu encontro.

A vida só existe quando o amor a navega.

Morrer de amor é a substância de que a vida é feita.

Ou melhor, só se vive no amor.

E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto.



(Paulinho Moska - declamado na música Vênus. Não sei se tem um nome...)

2 comentários:

Carolina disse...

Lembrei de dois textos, um do Fernando Pessoa e um da Clarice Lispector.

O amor quando se revela

O amor, quando se revela...
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p' ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar lhe
Porque lhe estou a falar ...

Fernando Pessoa

Por não estarem distraidos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa dos carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas, as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam mais bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que já eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Clarice Lispector

Ana disse...

O poema se chama Do Amor.
Neste mesmo cd tem uma outra música que tem muito a ver com essa: "Que não deveria se chamar amor"
O amor que eu te tenho é um afeto tão novo
Que não deveria se chamar amor
De tão irreconhecível, tão desconhecido
Que não deveria se chamar amor

Poderia se chamar nuvem
Pois muda de formato a cada instante
Poderia se chamar tempo
Porque parece um filme que nunca assisti antes

Poderia se chamar labirinto
Pois sinto que não conseguirei escapulir
Poderia se chamar aurora
Pois vejo um novo dia que está por vir

Poderia se chamar abismo
Pois é certo que ele não tem fim
Poderia se chamar horizonte
Que parece linha reta, mas sei que não é assim

Poderia se chamar primeiro beijo
Porque não lembro mais do meu passado
Poderia se chamar último adeus
Que meu antigo futuro foi abandonado

Poderia se chamar universo
Porque nunca o entenderei por inteiro
Poderia se chamar palavra louca
Que na verdade quer dizer aventureiro

Poderia se chamar silêncio
Porque minha dor é calada e meu desejo é mudo
E poderia simplesmente não se chamar
Para não significar nada e dar sentido a tudo

Moska