Sonhos

Às vezes acho que sonhamos entrelaçados. Cheiro forte, nossa faculdade, suas flores preferidas, o seu cheiro preferido e forte, e as flores amarelas de sempre que cobrem a faculdade sempre sempre por tudo agora esparramadas: mesas, cadeiras, carros, amarelos, amaciando o chão; pessoas passando como borrões, como se eu e você por algum momento de entrega decidíssemos tirar os óculos e confiar e ter apenas um ao outro, único foco você, único foco eu, quadro impressionista, quadro de Van Gogh, amor além da vida, destacados do amarelo no amarelo, borrões que passam passando, eu te olhava, você me olhava – sabia que cada um de seus olhos oferece um olhar diferente para mim? Da última vez o direito me pedia ajuda enquanto o esquerdo me olhava meio desconfiado com um sorrisinho, mas era um sorriso bom, mas mesmo assim eu só conseguia olhar pro direito e agora nem sei se a palavra correta seria oferecer ou apresentar, ter? – e ríamos e chorávamos falávamos de mim e de você em demasia, em silêncio, como às vezes fazemos quando eu ou você estamos frágeis demais para falar e você sabe que nos entendemos e nos sabemos e nos vemos fácil e sempre e de repente o tempo tinha passado e estávamos velhos, mais ainda do que previa o nosso combinado de nos casarmos para envelhecer juntos e nos cuidarmos e não havíamos feito nada disso, nem adotar filhos, tínhamos nos perdido no caminho e os borrões eram outras pessoas que tínhamos, tínhamos outras pessoas, pessoas-borrões, sabidos de nossa perdição e íamos embora com eles, mesmo querendo ficar, nos deixávamos levar, não tínhamos coragem de ficar juntos. Eu sonhei, você sonhou, nos afogamos sem conseguir morrer, somente com a água até o nariz, você me fez esperar no carro e passar vergonha e me expôs pro pessoal do trabalho, expôs minha vontade de sumir, me deu esporro por ter abraçado quem eu nem conhecia. Entrelaçados, você acordou estranha.