quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Os antropólogos

Tratavam-se com a curiosidade respeitosa que se experimenta diante de uma língua ouvida pela primeira vez. Tudo desconforto e deslumbramento.
Margarida Maria Moura, a espalhafatosa professora de Antropologia, definia sua ciência como a arte de tornar o estranho familiar e o familiar estranho. Não lembrava se era exatamente isso, mas não importava. Postura de pesquisadores que só podem teorizar vivenciando. Um ao outro.
Deram o primeiro beijo da vida dela numa festa na casa dele, completamente chapado esquecendo o que estava dizendo no meio das frases. Ela tinha ido sozinha até lá.
Fizeram uma viagem juntos, como se assim fosse possível se conhecer. Ela, pose de quem veio salvar o mundo e atura por um tempo a ignorância de quem não sabe do que necessita, missionária compreensiva. Ele, pose de quem viveu todas as dores do mundo e compreende, disposição para dedicar suas noites a descobri-la. Tornar permente o brilho no olhar dela. Galanteador malicioso.
Olhos ávidos se dedilhando cautelosos...
Dois seguros conhecedores de si, diante do enigma do abismo que o outro representa. Nem opostos, nem complementares, idênticos ou semelhantes. São mundos, delicados ecossistemas em rota de colizão. Reconhecem-se complexos não conseguindo se manejar, se recusar ou se incorporar. Reconhecem-se diferentes. Por mais que tentem se acessar com delicadeza, acabarão por se consumir em fúria, caso não se separem completamente.

2 comentários:

Anônimo disse...

o estranho e o familiar, ele e ela, o familiar e o estranho... (transformar um em outro foi o que Freud tentou, não?)

Danilo SG disse...

Só há uma rota a ser seguida: a rota de colisão...