Constatação

Um pássaro sem ninho, sem ter quem o alimente ou o ensine a voar; uma bailarina que rasgou a roupa no meio do número e precisa prosseguir e o som falha e a platéia não olha mais; uma aquarela que desbotou, cinzenta. Ao invés de afastar a todos por não ter sorrisos a oferecer, deveria permitir que te façam brotar novos tons, que te resgatem...
Flores de fortes cores, fartas; alertam e fascinam, perigo da proximidade. Uma linda planície com velhas minas talvez desativadas. Uma casa já muito antiga que cheira a madeira, tem móveis confortáveis e ameaça desabar. Atração e repulsa; distância, ameaça, deslumbramento.
Seus olhos e seu corpo dançando hesitantes na minha frente, ziguezagues inebriantes, idas e vindas, curvas fechadas confudindo, imobilizando. Tão segura e trêmula... Prestes a desmontar a qualquer olhar que permaneça; decidida, suspiros, suspiro. O que pede? Do que se esconde? Toda delicadeza contida. Toda doçura afogada.
(Porquê, afinal de contas, escrever para alguém? Pra quê? As palavras, guias que foram, escapam-me agora diante de meus infinitos labirintos, desgastadas...)
Venha brindar a primavera comigo, esqueça seus amanhãs, condições e consequências (Você só diz isso por poder rir tranquilo do meu hoje que já te passou, seria sua frase murmurada suave que rodopiaria leve no ar para então pesar em meus ombros).
Mas não há ontem ou tentativa ou promessa ou esperança sem que possamos sorrir e passar os dedos pelas nucas, eu na sua, você na minha; sem que possamos sincronizar nossa respiração com calma, silêncio, tempo e escuridão.
(Quero te estender a mão e temo te ofender e que aceite e que se envergonhe e não aceite, mas acima de tudo, te fazer parar em um momento em que qualquer pensamento enfraquece as necessárias ações. Eu, estranho intruso com estranhos convites. Quero te estender palavras e, no final, tudo não passa de sentimentalismo barato, perda de tempo, versos ao vento).

Vamos sair para ver o sol?

Desculpe...