quinta-feira, 15 de junho de 2006

Coisas boas do sarau

Esperando Godot ficar online

Carolina e Rubens encontram-se um de costas para o outro, quase apoiados um no outro. Cada um tem um teclado e um monitor. Conversam pelo MSN. Carolina lê os trechos de Rubens e Rubens os de Carolina. Enquanto um lê o outro digita. A princípio ambos em tom blasê, desinteressado, sem sentimento. Quando alguém ri, lê-se: “risos”, sem empolgação.

Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Me ajuda uma coisa? Estou confundindo os livros do Amoz Oz, o Conhecer uma Mulher é o pai que é espião e fica com a vizinha e que a filha é epilética e tem um jardim?
Rubens quartinhodosfundos diz:
Isso. Porque?
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Quero comprar. Mas estou meio louca. Mais louca. Ando esquecendo das coisas. Terça queria lembrar uma coisa sem importância que aconteceu segunda e até agora não consegui lembrar. Queria lembrar, mesmo sem importância. Mas preciso do livro, quero reler. Uma necessidade estranha, sabe? As coisas não andam bem...
Rubens quartinhodosfundos diz:
Porque as coisas estão tão ruins?
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Porque estão vazias. Não sei porque
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
To fazendo o que quero, o que sei ser bom para mim, para minha vida, mas ta vazio, oco. Não sei Rubens... Um descontentamento, um caminhar sem rumo, ruim. Acho que sou boba demais, acho que preciso achar problemas, achar defeitos, achar uma merda
Rubens quartinhodosfundos diz:
Às vezes eu sinto algo parecido não sei se é a mesma coisa
EMPOLGADO Carolina “se eu fosse eu...” diz:
hum...
Rubens quartinhodosfundos diz:
Mas é algo de estar fazendo as coisas que eu quero só que não ter muito o que buscar. e as vezes eu sinto isso. Falta uma falta. Algo de desordem, de movimento
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
É... Acho que é isso, desordem. Somos muito narcisistas, né?!
Rindo Rubens quartinhodosfundos diz:
A vida completamente dentro do esperado é uma merda
AO MESMO TEMPO Carolina “se eu fosse eu...” diz:
rss. sempre foi meu sonho, hehehe
AO MESMO TEMPO Rubens quartinhodosfundos diz:
mas o que esperar então?
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
É... Esperar Godot... Eternamente esperando Godot...
Rubens quartinhodosfundos diz:
Argh. Na verdade, falta-nos Godot para esperar
Carolina“se eu fosse eu...” diz:
Mas esperar Godot é o que fazemos, esperar o que não existe, o nada...
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Droga... rss
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Mas me conta, e a Juliana, não, Luciana, não, como é mesmo o nome? rsrs. Como foi lá?
INDIGNADA Rubens quartinhodosfundos diz:
Putz, mó rolo. Ficou falando umas coisas aleatórias. Eu bebaço. Aí, do nada , chega o namorado beeeem mal humorado. Sorte que o bar tava fechando, fui pagar a conta, dei uma disfarçada, consegui me fazer de descontraido, falar com uns caras que tavam por lá.
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Só você mesmo Rubens
Rubens quartinhodosfundos diz:
E o pior, agora to com uns rolos de MSN. Bizarro. Não conheço a menina, nunca vi pessoalmente.
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
rsrsrs
CAROL LEVANTA, OUVE O BARULHO, VOLTA, LÊ DE PÉ Rubens quartinhodosfundos diz:
Mas o foda é que eu to balançado. Sei lá, acho que pode ser uma nova forma de nos aproximarmos das pessoas. Sem contato físico talvez dê pra ser mais verdadeiro, mais próximo. Às vezes vc não sente que estamos mais próximos conversando assim do que pessoalmente? SAI PARA TOMAR UM VINHO. CAROLINA COLOCA UMA PLACA DE AUSENTE NO PEITO. VOLTA E TIRA.
Carolina“se eu fosse eu...” diz:
Me diz 5 coisas que você tem vergonha
Rindo Rubens quartinhodosfundos diz:
Sério??? Essa brincadeira de novo? Vamos lá... Sair de cabine de banheiro público e ter alguém na pia, olhando pelo espelho
Rubens quartinhodosfundos diz:
De falar alguma besteira com cara de quem sabe o que ta falando e ser desmascarado
Rubens quartinhodosfundos diz:
Da minha mãe, às vezes, com suas histórias sobre mim e aquela empolgação toda
Rubens quartinhodosfundos diz:
De gente que fala besteira com cara de quem sabe o que ta falando
Rubens quartinhodosfundos diz:
E de soltar um pum e alguém chegar perto. Rsrs. Bom, sua vez, me diz 5 coisas que acham que você é, mas que você acha que não é
Carolina“se eu fosse eu...” diz:
rsrsrs
Carolina“se eu fosse eu...” diz:
Aí, que difícil. Acho que não quero responder.
Rubens quartinhodosfundos diz:
Vai logo
Carolina“se eu fosse eu...” diz:
Que levo jeito para psicologia. Que sou bonita. Que... sou legal - sou muuuuuuito chata. Que sou decidida. ai... acho que isso (já to inventando...)
Rubens quartinhodosfundos diz:
Ow!!!
Rubens quartinhodosfundos diz:
Mas não, não, nada disso. Não temos o que esperar, estamos só fazendo as coisas sem esperar nada, ou controlando tudo. Não há godot para esperar. Não há o que esperar para que os dias se pareçam diferentes
Carolina“se eu fosse eu...” diz:
É, tens razão... Não somos bons como Vladimir e Estragón. Mas esperamos Godot porque esperamos nada. Somos tão arrogantes que fazemos as coisas sem esperar nada. Amamos desprendidos, nos achamos superiores...
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Como se não precisássemos esperar nada. Nossa insatisfação é justamente essa, não nos permitimos esperar. Ai... Que coisa...
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Só um parenteses. PAUSA O mesmo mar, qual a história? Não lembro...
Rubens quartinhodosfundos diz:
Olha só o que eu escrevi CAROLINA LÊ COM EMOÇÃO E BOA ENTONAÇÃO, DECLAMANDO
O indiozinho
Era uma vez um índio que, em sua tribo, era uma verdadeira lástima. Estranho e solitário, não conseguia falar com ningúem.Às vezes se afastava de lá em silêncio, despercebido, trazendo consigo aquilo que havia acumulado de mais importante. Empilhava então diante de si cerâmicas, arcos, flechas, zarabatas e toda a comida que tinha. Altarzinho queimado com prazer e desprendimento. Da beleza de tudo que não era mais dele, ofereciam-se aos céus sinais de devoção e dedicação surda chegando a todos os distantes.Quem, naqueles momentos, deixasse o que estava fazendo e por acaso olhasse para cima era surpreendido e compreendia uma proximidade vinda de longe, uma sensação de presença.Admiradas, as mesmas mulheres que tantas vezes passavam por ele agora o encontravam e não era o indiozinho. Diferente, forte, alto, seguro, bravo caçador em aventuras que assim continuavam nas andanças de suas empolgadas cabeças imaginativas.Tão insignificante era o restante dos seus dias, vivia de empilhar o suficiente para cada não ter, mais grandioso que o anterior. Criou diante de si uma aura. Sobrevivia, oferendava, orgulhoso.Assim passava os dias, se transformando naquele que não viam os que viam, que viam quando sumia. Cada vez mais perto, cada vez mais longe.
Rubens quartinhodosfundos:
Faz tempo que eu li, mas o menino ta no tibet
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Que lindo... Aahh... E o pai conhece a namorada, poesia-prosa. Lembrei. Obrigada
Rubens quartinhodosfundos diz:
isso
Carolina “se eu fosse eu...” diz: RUBENS LÊ DECLAMANDO

Através de nós dois

Antes do desculpe, este lugar está livre,
antes da cor teus olhos, antes do o que você que beber,
antes do eu sou Rico, e eu, Dita, antes do roçar
da mão no ombro,
aquilo que nos atravessou
como a fresta de uma porta abrindo-se em meio ao sono.
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Um pedaço que copiei
Rubens quartinhodosfundos diz:
Essa parte é muito boa né? Mas acho que não estamos esperando o nada
Rubens quartinhodosfundos diz:
Apenas não estamos esperando nada é completamente diferente
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Sei lá... Mas é que p mim, esperar godot e esperar nada é a mesma coisa. Mas, chega parecemos loucos. rss
Rubens quartinhodosfundos diz:
Mas uma coisa é esperar nada outra coisa é não esperar nada
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Certo, diferente
Rubens quartinhodosfundos diz:
Parece uma conversa de esperando Godot de qq forma
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
é... passando o tempo num dia igual diferente e o melhor, está frio e a lua, logo chega, cheia
AO MESMO TEMPO
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Rubens!!! Vamos ler um trecho no sarau?
AO MESMO TEMPO
Rubens quartinhodosfundos diz:
Carol!!! Vamos ler um trecho no sarau?
RUBENS SE ABAIXA E VÊ OUTRAS COISAS
Rubens quartinhodosfundos Envia: Clique duas vezes aqui para inciar transferência. Você recebeu Esperando Godot com êxito de Rubens quartinhodosfundos
ENTRA UMA GRAVAÇÃO ONDE CAROL FAZ A VOZ DE ESTRAGON, DE FORMA INGÊNUA E EMPOLGADA E RUBENS A DE VLADIMIR, MAL HUMORADO E INDISPOSTO
Vladimir: Isto está cada vez mais insignificante
Estragon: Não o suficiente. Ainda.
Silêncio
Vladimir: E se você experimentasse?
Estragon: Eu já tentei de tudo.
Vladimir: As botas quero dizer
Estragon: Acha que devo
Vladimir: Ajuda a passar o tempo (Estragon hesita) Garanto que será uma diversão
Estragon: Um desenfado
Vladimir: Uma distração
Estragon: Um desenfado
Vladimir: Experimente
Estragon: Você me ajuda?
Vladimir: Mas é claro!
Estragon: Até que a gente se vira, né, Didi, os dois juntos?
Vladimir: É sim, é sim. Venha, primeiro o esquerdo
Estragon: Estamos sempre achando alguma coisa, não é, Didi, para dar a impressão de existirmos?
Vladimir: (impaciente) É, é mesmo, somos mágicos. Mas não vamos nos desviar. (Pega a bota) Venha me dê o pé. (Estragon aproxima-se, levanta o pé) O outro, porco! ( Estragon levanta o outro pé) Mais alto! (Corpos emaranhados cambaleiam pelo palco, Vladimir consegue finalmente calçar-lhe a bota) E então?
Estragon: Serviu

RUBENS VOLTA, REPETE O PROCESSO, Carolina “se eu fosse eu...” Envia: Clique duas vezes aqui para inciar transferência. Você recebeu Esperando Godot com êxito de Carolina “se eu fosse eu...”
ENTRA OUTRA GRAVAÇÃO
Vladimir: É difícil conviver com você Gogo
Estragon: Seria melhor a gente se separar
Vladimir: Você sempre diz isso. E sempre volta.
Silêncio
Estragon: Para fazer direito seria preciso me matarem, como o outro.
Vladimir: Que outro? (pausa) Que outro?
Estragon: Como bilhões de outros
Vladimir: (sentencioso) A cada um sua pequena cruz. (suspira) Um piscar de olhos e um rápido adeus
Estragon: Enquanto esperamos, vamos tratar de conversar com calma, já que calados não conseguimos ficar.
Vladimir: É verdade, somos inesgotáveis
Estragon: Para não pensar
Vladimir: Temos nossas desculpas
Estragon: Para não ouvir
Vladimir: Temos nossas razões
Estragon: Todas as vozas mortas
Vladimir: Um rumor de asas
Estragon: De folhas
Vladimir: De areia
Estragon: De folhas
Silêncio
Vladimir: Falam todas ao mesmo tempo
Estragon: cada uma consigo própria
Silêncio
Vladimir: melhor, chochicham
Estragon: Sussurram
Vladimir: Murmuram
Silêncio
Vladimir: E falam do quê?
Estragon: Da vida que viveram
Vladimir: Não foi o bastante terem vivido
Estragon: Precisam falar
Vladimir: Não lhes basta estarem mortas
Estragon: Não é o bastante
Silêncio
Vladimir: Como ruflar de plumas
Estragon: De folhas
Vladimir: De cinzas
Estragon: De folhas
Longo silêncio
Vladimir: (angustiado) Diga qualquer coisa!
Estragon: O que vamos fazer agora?
Vladimir: Estamos esperado godot
Estragon: É mesmo.

RECOMEÇAM O DIÁLOGO, CADA VEZ MAIS EMPOLGADOS E DIGITANDO E LENDO CADA VEZ MAIS RÁPIDO
Rubens quartinhodosfundos diz:
Vamos ler ESSE trecho da nossa conversa
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
hahaha. Vamos ensaiar ou vamos no improviso?
Rubens quartinhodosfundos diz:
Não. Vamos ensaiar. E melhorar nossas falas
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Ta. Vou salvar e ver o que posso mudar
Rubens quartinhodosfundos diz:
OK. Depois me manda. Mas mantém a ordem mais ou menos.
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Ta. Sim senhor
Rubens quartinhodosfundos diz:
Ai a gente muda a ordem, coloca umas piadas e a gente dramatiza como se estivesse conversando no MSN. Se bem que é uma puta falta de criatividade quase copiar uma outra peça como se fosse nossa, como se inventássemos alguma coisa.
Rubens quartinhodosfundos diz:
Mas foda-se! Eu leio as suas falas dizendo carolina aspas se eu fosse eu reticências aspas diz e você lê as minhas dizendo rubens httpdoispontosduasbarrasquartinhodosfundospontoblogspotpontocomdiz. Os dois bem blasê.
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Certo. Blasê. Certo. Como se estivéssemos digitando. Certo. Ai, ai, vai ser bom... To com medo de rir. Bom, vai ser melhor do que se eu raspasse a cabeça...
Rubens quartinhodosfundos diz:
PORQUE??? Ah, não, raspa a cabeça!!! Ia ser tudo. Você parece a Carolina Dieckman. Ia ser tudo você raspando e chorando.
Carolina “se eu fosse eu...” diz:
Rubens!!!

Um comentário:

Carolina disse...

Eba!!! Nossa peça!!!
Tão chata que foi muito legal!

Bjos

Carol