E para comemorar, como já prometido, o texto que eu mandei para mais um concurso (já que Psicologia tá difícil, quem sabe não enveredo para o "lucrativo" ramo da literatura).
Dois avisos: a maioria dos textos já conhecidos sofreram modificações e a idéia é que formem um todo, e não um apanhado de textos simplesmente.
Um pedido: Críticas, sugestões, elogios e rasgações de seda são bem vindos
Boa leitura!
Encontro (des)ordenado: Histórias verídico-fantásticas cotidianas
Fim
Um moleque, isso é que é; chega de perder tempo sofrendo; diziam e eu não dava ouvidos, precisava comprovar, precisava tentar; um menino-sonho, do meu lado, como se pudéssemos ter sonhos entre os braços; tão pequeno... mimado! Me tranquei, chorei, precisava calcular minhas perdas, enterrar meus mortos; falavam, mas eu não podia escutar; precisava a dimensão da tristeza para tentar alegria. Sei que posso com outro; é uma questão de dedicação; ingrato; alguém que me queira; um homem, maduro; tão seguro de si e medroso; me olhava, pedia ajuda? Era como se pudesse contê-lo entre meus braços antes dele levantar e sair; era como se fosse livre, o contido; não se ligava a mim (não se prendia?). Gostava de dividir a comida, tanta intimidade tão pouco tempo; ele levantava e saía; chega de olhar nos olhos; não era o momento, ou não era pra ser; nos encontramos tanto, somos tão parecidos (ou ele fazia parecer). Não tenho certeza de quem ele é, uma massinha de modelar de mão em mão; não posso tê-lo; ele querendo voltar, de novo; chega de olhar; ele levanta e sai; alimenta-se do sal das lágrimas. Ou dos sorrisos bobos? Nos encontrávamos ele levantava e saía; preciso me dedicar; alguém que não se tranque e não se esvaia entre braços, alguém seguro, que eu possa ajudar; menos sal, mais certeza. Alguém mais parecido comigo. Mesmo que não se deixe modelar.
Apresentação
Sentia-se apenas mais um, uma história que poderia não ser contada.
Sempre que podia dormia tarde. Não gostava de pensar. Via os dias passando enquanto se ocupava em encher seus dias de obrigações e não ver o tempo passar. Corria para, parado, não se deparar consigo. Às vezes esquecia-se de comer, outras, empanturrava-se.
Mentor de idéias novas de cotidiano impossível. Não era capaz daquilo a que se propunha, indignava-se com o que lhe esperavam, não cumprindo com o orgulho que lhe permitia o sono. Sonhava porque não suportava.
Galante amante de mulheres novas de improvável convivência. Deixou de balançá-la para embalar-lhe o sono, de beijar o tendão de Aquiles para excitar-lhe, de oferecer piadas infames por sorrisos garantidos. Há tempos.
Não amava. Queria o que não podia. Aproximava-se o suficiente para que sentissem falta do nunca o bastante. Encontros em afloramentos e decepção.
Sabia que não levava a vida que queria. Levava a vida. Não sabia o que queria.
Seus olhos não brilhavam, tinha dúvida se ainda poderia notar algo brilhante diante de si, refletir. Trazia a doença ou assim parecia. Ela se afastou, ele (que era o outro) voltou a lhe falar.
Tinha uma ética peculiar. Tentava o prazer, precedia a dor. Não permitia sonhos que não pudesse pegar, apalpar, passar a mão e por isso fazia chorar.
Considerava-se superior, mais, coerente.
Planejava cada passo pensando sobre cada acontecimento. Invejava os espontâneos lamentando pelos que se preocupam demais. Via-se e cria-se aberto ao inesperado ao lado de obrigações inadiáveis. Intermináveis. Tinha como regra questionar todas as regras, tentar diferente como se o mundo estivesse habitado por idiotas e cretinos, uns merecendo ajuda e derrotados ou convencidos os outros.
Não deixava dormir, não deixava ficar, não entregara o presente pronto, esquecera como elogiar. Esquecera. Esquecerá.
Sentia-se apenas mais um, uma história que poderia não ser contada. E dava-se por satisfeito. Como se fora o bastante, como se fosse suficiente.
Primeiro Encontro
“Sexo não é para gente escrupulosa. Sexo é um intercâmbio de líquidos, fluídos, de saliva, hálito e cheiros fortes, urina, sêmen, merda, suor micróbios, bactérias. Ou não é. Se é só ternura e espiritualidade etérea, reduz-se a uma paródia estéril do que poderia ser. Nada”. P. J. Gutiérrez in: Trilogia Suja de Havana
Sentia, enquanto aquelas mãos delimitavam, brincavam e preenchiam seu corpo, um prazer desconfortável e amargo. Era como se estivessem fazendo cócegas, riso descontrolado, urgente. Coração disparado. Contorcendo e contorcida. A necessidade primitiva de expulsar o que lhe revolve as vísceras, deixar de sentir. Pernas dobradas, pés empurrando peito. Era dor. Lembrava a impossibilidade de tornar um só e mesmo ser, pensava os abismos que os separavam. Era uma batalha ríspida por territórios que não queria entregar, seus refúgios. Quanto mais preenchida mais o vazio era presente, sentia-se só. Os abismos que não lhe saiam da cabeça. Cócegas, vísceras, contorção, expulsão, abismos, impossibilidade, dor, vazio, presente, abismos, dor.
Ele então percebia.
Era tarde e cada um virava para seu lado. Calma de um quarto escuro. Procuravam não se achar.
Aproximações Sucessivas
A metáfora une dois entes distintos no universo, mantendo-os separados. Saindo do desconhecido, aproxima suas verdades, põe em movimento o que permanece imóvel, desconfigura e enriquece, exagera e minimiza a existência, a exigência.
“E não era bem que ela tinha gostado de mim. A expressão correta era que eu havia lhe dado a impressão de ser prisioneiro numa cela dentro de mim mesmo, e despertado nela a vontade de se chegar para que eu não congelasse na escuridão. Agora já não conseguia se expressar como desejava, prisioneiro, cela, é culpa sua, Teo, é por sua causa que eu estou falando por metáforas e nada sai direito. É ridículo? Então assuma a responsabilidade. Veja o que você fez comigo. É culpa sua eu estar sendo ridícula. E é também por sua culpa que eu estou ficando vermelha. Olhe". (Amoz Oz, Não Diga Noite)
Era uma vez um menino que decidiu organizar na sua cabeça todos os mundos possíveis. Prováveis combinações resultantes em felicidades plenas. Pensou (era um pensador), parou (como era de se esperar), refletiu, escreveu. Uma dúzia. Espremeu (sairiam mais?). Tentou, persistiu, recalculou, recombinou, mais uma! Desistiu. No mundo não existem tantos sonhos.
Ela era uma criança criada na roça que pensou ser possível viver em São Paulo como a passeio. Como se essa velocidade toda, esse mundaréu de gente fosse coisa a ser vista e admirada com os olhos e de mãos abanando. Queria ser turista e, em caso de excesso de movimento, poder descalçar o tênis e sair andando, andando. Não convivia com muitos e nem gostaria, ficava confusa. Ia atrás de solidão quando lhe desagradavam, cadeira de balanço em varanda vazia. Queria café em coador de pano depois da cachaça envelhecida em tonel de carvalho, talvez por isso não se desse bem com sedutores aromas expressos em cafeteria ou com a beleza performática dos drinques noturnos paulistanos. Enquanto almoçava um salgado em pé, pensou que gostaria de ser árvore. Forte e estável, silenciosa, sábia e respeitosa, movimentos para a fixação e crescimento, precisos, grandiosos, imperceptíveis. Beleza de se admirar à toa, primeira intenção, flores coloridas a perfumar a vista. Poder oferecer sombra sem esperar nada em troca.
Era uma vez um menino composto por peças de lego. Se transformar, carros, mansões, castelos, jardins: Tudo muito pouco aos seus olhos pontos pintados, (sempre) independentemente do que fosse. Não podia, ainda, transformar-se completamente naquilo que se montava. Então, desmoronava. Inconformava-se parecer lego, encaixes e quinas sobressalentes (sempre). Além disso, nas composições - possibilidades que conhecia - (sempre) sobravam peças. Era aquilo que, ali, era excluído a cada aquilo que fosse: Era um também em tudo o que não era, também que lhe chacoalhavam como um principalmente. Sonhava uma combinação em que todas partes - suas que eram - fizessem parte, encaixassem. Sonhava: Nesse momento deixaria de ser um amontoado de peças de montar. Arredondaria.
Eram tão parecidos passando por fases diametralmente opostas. Ele, casa nova, caramujo a procura de uma concha que nunca lhe satisfaz, inconformado com suas possíveis formas futuras. Ela casco antigo, pele de cobra cada vez menos lhe cabendo, lhe impedindo os movimentos, medrosa de abandonar justamente o que conhece que lhe coube tão bem um dia desses.
O homem de pernas amputadas vivia seus dias alegremente em frente a um semáforo, os carros passando e parando. Era referência, exemplo de força, dias e dias de sol na mesma imóvel situação. Conversava com um ou dois, janelas abertas a cada vermelho. Sua maior alegria era enquanto passavam. Parecia pular visto pelo retrovisor do automóvel em movimento. Ele então assobiava, cumprimentava, festejava, aqueles já não próximos, sorrisos fugidios de um semáforo de duração, os que não voltariam. Até amanhã, prometia, promessa de amanhã, alegria nas promessas amanhã.
Sua vida tinha sido só sem-dor, mas algo o incomodava. A casa era enorme e recebia sol durante toda a manhã e uma parte da tarde. Pelo menos era o que diziam. Convivia com umas 20 pessoas que o conheciam desde que nascera, exceto por caçulinha que ajudaria a criar não fosse a boa vontade transbordante daquela gente que parecia não ter mais com o que se ocupar. Quanto ao sol, esquentava o banco de concreto do canto por algo que não chegava a completar a hora. No verão. De resto, claridade e escuridão. Faziam festa no dia mais longo do ano para agradecer a fartura e no mais curto para invocar proteção. Começava a desconfiar que festejavam qualquer que fosse o motivo como que para passar o tempo, fazê-lo deslizar suave.
A casa se encontrava escadarias acima, mas jamais tinha se aventurado. Ali ninguém havia. Considerava-os covardes e quase chorava e berrava percebendo que não era corajoso o suficiente e tinha ainda mais raiva de todos, retratos da sua incapacidade. Nascera embaixo dos degraus escorregadios, no saguão. Nada faltava a eles, embora não se pudesse afirmar que algo sobrasse.
Era uma menina que tudo via e tudo gostava de ver. Seus olhos, no entanto, não terminavam nunca. Ela não tinha retinas e as imagens, capturadas que estavam, caíam para sempre dentro dos seus olhos. Nada ficava e nada se perdia. Não tinha como segurar, nem como apagar. Imagens fantasmas flutuando incessantes, infinitas.
Era uma menina triste. Como um girassol, acompanhava a fonte de luz, mas impregnada, fechava-se como aquelas plantinhas sensíveis ao toque. Absorvia e tinha de se esconder. Virava, olhava, tentando voltar-se para outras fontes. Por isso era tão luminosa. Por isso era tão arisca.
Tinha medo (era menina) das suas muitas imagens tornarem-se repetidas. Continha em si tanta luz, que não tinha coragem de andar. Invejava, era verdade, os seres que a rodeavam. Seres que podiam ver e esquecer, podiam mover, podiam parar. Seres que podiam ser. Ela, receptáculo.
Freqüentemente fechava os olhos e assim ficava, combatendo luzes e imagens, moinhos, caindo ela também para dentro dos olhos sem fundo, buracos de Alice. Ia e voltava, ciclos de vida e de morte.
Quando a conheci, vi através de seus olhos e caí, assustado. Ela, além de fechar os olhos, ficou muda. E nunca mais a vi.
Adorava o próprio quarto. Ou o odiava gastando muito tempo tentando arrumá-lo e deixá-lo suportável. Queria mostrar para seus amiguinhos, mas tinha medo. Medo de não gostarem. Não estar apresentável. De bagunçarem tudo e botarem tudo a perder, esforço. Proprietária de brinquedos reluzentes e magníficos Em cima do armário, dentro de suas caixas, ela fazendo planos e o sol aquecendo o lado de fora.
Era uma vez uma menina que queria aprender a fazer bolo. Tarefa levada a sério, incrédula quanto à capacidade, construções de areia com mar avançando. Um desafio à vida arrastada. Mágica de calor e união. Untou a forma quebrou os ovos, juntou os ingredientes. Sabia que o tempo deveria ser preciso. Não podia queimar, exagero da vontade, nem permitir deixar de crescer. Aqueceu o forno como tinha sido instruída. Depositou a bandeja cuidadosa, contendo o germe do futuro grandioso e macio. A partir de então, a cada três minutos abria a porta a conferir como andava o que desejava e não via. E nunca crescia. Algo errado. Vez seguinte olhou ainda mais vezes, zelo de quem se pensa capaz de colocar o mundo nos trilhos. Repetição e cuidado. Não seria capaz, por (quanto) mais que fosse cuidadosa, impedia o que (achava que) queria.
Era uma vez uma dançarina de flamenco que vestia vermelho e morria de medo de borboletas.
Um diálogo
Sorrisos nascendo em silêncio buscando razões para própria existência e, ao se tornarem conscientes, pareciam nervosos e forçados e insossos e descabidos e amarelos e tristes e tensos, sem contexto e ainda assim, inexplicavelmente obrigatórios, de difícil sustentação. Músculos latejando.
Papéis e papéis sobre a mesa. Ele, passeando a caneta entre dedos.
-São tantas coisas importantes que te distraem.
-Como assim? Olhos baixos, como se a caneta necessitasse atenção.
-Não sei. Vou embora. Silêncio, como se tudo em volta parasse e cada hesitação e movimento fossem amplificados, estivesse em foco
Ele, com os olhos levantados, fixa. Ela, olhos trêmulos. Fora, árvores cedendo ao vento e voltando ao lugar – Você espera que eu peça para você não ir.
- Mas você nunca faz isso, não é? Olhares de cobrança e indagação e silêncio. Silêncio. Ela passa por trás e senta ao lado. – Por que você faz isso? – Isso o que? – Não sei... – Te desafiar e te expor? – É – Porque eu sou sádico... Porque eu quero saber quem você é – E adianta? – E adianta? – Pra você – Não precisa ser pra mim. Outra pausa. Adianta (Ele afirma e olha, ela concorda ou aceita. Aquietação sustentada por olhares e sem sorrisos). Eu gosto dos nossos diálogos
- Eles poderiam ser insuportáveis. Porque não são?
- Porque se dão entre pessoas que se gostam
- Poderiam ser ainda mais terríveis
- Porque tem boas intenções – Talvez não saibamos as intenções – Acho que temos a intenção, embora não saibamos o que estamos dizendo – Agora vou mesmo – Tchau – Tchau
Classificados
Quero alguém ao meu lado a não me guiar e a não consolar. Que no silêncio eu tenha vontade de falar, que no escuro tenha necessidade de beijar até o dia, pé com pé; em meio a tantos, possa confidenciar com olho, suco de laranja e cafuné. Alguém para quem eu não precise pedir desculpas nem esconder, alguém que eu não precise, alguém que, ao meu lado, calce os tênis de caminhada sem olhar o tempo pela janela; que me dê a mão, segurando e segurada, sem recuar com o medo, rumo a ponte, ao pulo, ao desfiladeiro.
Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto merece interpretação
“É impossível entender tudo. A vida não é o suficiente para ser vivida e entendida. É preciso escolher”. P. J. Gutiérrez in: Trilogia Suja de Havana
Ela: Sonhei que você me abandonava no quarto e ia conversar com umas amigas e ficava lá se divertindo, esquecia de mim. Aí você me pedia um favor e o favor era que eu cuidasse dos filhos delas e ensinasse inglês para eles que iam ter prova. Que absurdo! Além de me colocar de lado você ainda queria que eu ficasse cuidando dos problemas pra você ficar se divertindo. Eram problemas seus e eu que tinha que agüentar, elas ficavam com a melhor parte, sem preocupações. Sua melhor parte. Depois a gente ia a uma festa. Cada um por si, separados, eu ficava te observando e você me olhava estranho de longe, me ignorava quando eu me aproximava. Com o passar do tempo você ia ficando feio, deformado, ia diminuindo, muito estranho, e eu deixava de querer ficar com você. Mas tinha uma parte que eu não entendi direito: a música parou e as pessoas continuaram se divertindo. Era como se não fizesse mais sentido. Não cabia a festa continuar para mim e ninguém se dava conta. Só eu percebia que tudo aquilo era falso?
Ele: Droga, queria interpretar seu sonho, mas ele não deixa, é muito explícito.
Cenário
Uma rua de terra longa e larga. O sol se pondo ao final da rua, sensações de calor e de frio. Casas pequenas e coloridas de ambos os lados, iguais na construção, cores vibrantes distintas entre si.
As pessoas todas se conhecem e se encontram na rua, todas-todas se cumprimentando.
Dentro das casas estão dispostos uma cama, uma janela e um relógio à frente, na parede. A sensação é de solidão; casas que, não lares, são muito pouco povoadas.
O sol não se põe nunca, ficando a todo o momento a sensação de quase acabando, de quase escuridão, sempre. Por outro lado, os relógios com seus ponteiros são muito ligeiros, imprimindo irritação, atraso, ansiedade, imprimindo olhos irrequietos que não se fixam e atenção voltada para a tarefa seguinte. E a tarefa era sempre a mesma, encontrar alguém, vários. Disso vivia a vila, encontros sucessivos que aconteciam sempre com atraso (o tempo corria) e quando aconteciam, não havia o que ser dito, ambos se desculpavam pelo atraso, ambos se desculpavam pela falta de tempo para conversar mais, ambos se desculpavam por estarem atrasados. E iam ao encontro de outra pessoa, e iam ao encontro de outra pessoa. Não tinham tempo, pois estavam atrasados para não ter tempo de conversar com mais alguém. Tão sem tempo que estavam não tomavam banho, não faziam a barba, caiam na terra-lama e não se limpavam. Encontros e encontros onde relógios absolutos impunham sorrisos limites em olhos irriquietos
Histórias Desconstruídas
“Estragon: Estou cansando. (Pausa) Vamos embora?
Vladimir: A gente não pode.
Estragon: Por quê?
Vladimir:Estamos esperando Godot.
Estragon: É mesmo. (Pausa) O que vamos fazer, então?
Vladimir: Não há nada a fazer.”. Samuel Beckett in: Esperando Godot
Era uma vez uma menina que queria uma boneca. Queria, na verdade, que seus pais descobrissem que ela queria uma boneca. Afinal, se realmente a amassem dariam aquela quase do seu tamanho e loira. Quis, quis, quis, cansou. Irritou-se. Deixou claro então desde o primeiro momento aquilo que esperava e o que lhe desagradava. Sem margem para interpretações, dúvidas. Sem que houvesse surpresas. E teve tudo o que quis. Esqueceu da boneca. Virou executiva. Não cresceu.
“O sujeito diz: ‘Eu te destruí. Eu te amo. Tua sobrevivência à destruição que te fiz sofrer, confere valor à tua existência para mim’. O sujeito pode agora usar o objeto que sobreviveu. É a destruição do objeto que o coloca fora da área do controle onipresente do sujeito. Dessa forma o objeto desenvolve sua própria autonomia e vida e (se sobrevive) contribui para o sujeito”. D. W. Winnicott in: O Brincar e a Realidade
Assim que se cansava do presente, desmontava até onde podia, não sabia como remontar e deixava os pedaços pelo chão, varridos, comidos pelo cão. Quando perceberam, ensinaram a refazer, peça por peça. Devido lugar. O cansaço constante era grande, o brinquedo encostando-se em outros, terceira gaveta ao fundo. Até fazer uma criança pobre feliz: Cosme e Damião, Natal Solidário, o mesmo fim do ano, aniversário em março. Cada vez mais depressa, ligeiro, ficava quase ansioso pela hora do desmanche. Era uma criança desencantada. E cada vez menos diante de si enxergava um brinquedo. Via parafusos e colas, travas, roscas, engrenagens. Possibilidades de inexistência. Desmanchava, desconstruía, seguia adiante, nada o detia, nada forte o suficiente para seus olhos treinados.
Uma vez, antes disso tudo, o garoto ganhou um carrinho. Vermelho, deslumbrante, inédito, vidros abertos e um volante realmente ligado às rodas. Era um sacrifício girá-lo, mas seria sacrilégio mexer diretamente nas rodas. Ele sabia poder ir por onde quisesse com o carro antiqueda, antigravidade, antichoque, antiderrapante, antirrealidade. Até que um dia ele caiu e desmontou.
Talvez quisesse um brinquedo que não conseguisse desmontar para poder entrar com o mindinho guiar por onde sua imaginação pudesse. Talvez esse porém nada tenha a ver com sua presente vocação de inexistência. Acabou envelhecendo.
“O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra”. Machado de Assis in: O Espelho.
“Enquanto mantenho os olhos fechados, somos dois: eu aqui e ele no espelho. Devo impedir que ao abrir os olhos ele se torne eu, e eu, ele. Eu devo vê-lo sem ser visto”. Luigi Pirandello in: Um nenhum cem mil.
Olhava no espelho, cansava. Era uma vez uma menina que queria ser outra pessoa. Não que exatamente estivesse em busca de mudar de personalidade. Outros corpos, movimentos, reações. Acreditava. Como se as almas estivessem livres para vagar, para povoar, dar vida. Sabia, os outros para ela eram ainda outros para si, assim como ela era outra e outras a depender do outro. E continuava, como uma farsa. Não saberiam? Esconderiam, dissimulados? Esquecimento a despreocupar? Um menino e uma menina experimentaria. Temia não poder voltar a ser, embora não estivesse satisfeita. Preferiria o certo ao duvidoso? E se não voltasse? Habitaria um corpo ainda mais estranho a si que si própria, algo que no ponto em que se encontrava já lhe era custoso.
Imaginava, vestia roupas, copiava os gestos, repetia as frases e foi esquecendo as almas, baboseiras juvenis. Subiu no salto, virou psicóloga. Sabia do que se tratava. Agora entendia (?).
“Uma igreja, quando se depara com alguma realização notável, conjura o grupo a render graças à sua divindade e não à sua capacidade de um árduo trabalho realista” W. R. Bion in: Dinâmica do Grupo: Uma Revisão.
Era um menino alegre e saltitante feliz e curioso. Aí, aos poucos, foi tendo contato com uma religião que o colocava para baixo e que o acusava de ser muito imperfeito e que mostrava todos os seus pecados e ele se sentia um pecador sem jeito e ficava exausto ao observar cada pensamento errado e cada ação sem virtude e só conseguia ver pecado a sua volta e foi deixando de se interessar pelas pessoas e deixou de conseguir olhar nos olhos e de acreditar. Quando saiu da igreja e foi dar uma volta por aí e se afastou dos crentes, por acaso, aos poucos, entrou em contato com pagãos e percebeu que não era feio gostar ou tentar e nem só de ofensas e corrupções o homem (e ele) era feito. Conseguiu deixar de olhar pra trás, voltou a sorrir.
Explicação anterior
Se te transformo em musa
te afasto
e em olhos inundados
faço,
te escrevo,
conservo
preciosa.
Se ouso tocar
caio, me firo,
reviro,
experimento.
Quero não sentir
mas não paramos de tecer
enredo
imóvel
paro.
Quero.
Não sei o que há em ti
que me fecha
que me abre.
Eu, em você,
fluxo.
Êxtase
-...
-
-...
-
- Que que houve?
- É que eu já gozei...
- Por que???
-...
- Tudo bem, não ia muito além disso.
7 comentários:
Oi Rubens! Acabei de ver o seu comentário no blog..te explico td.. é q ele foi criado há mto tempo e era p/ ser meu e de outras pessoas..era uma turminha..mas acabou virando meu e eu acabei me sentindo a vontade p/ mostrar um pouco de mim..legal vcter gostado de mim,então..(se vc gosotu dos meus escritos)..gostei mto do seu.. sinceramente.. bacana mesmo.. vc têm influências do zeca baleiro,né? "não sei dizer o que há em ti que fecha e abre..(nalgum lugar)" eu curto ele demais.. bom é isso.. desejo um ano NoVo mto Novo p/ vc! Um Ano apaixonante..desconcertante.. descontrolado no que há de melhor sentido dessa palavra.. um bjo.. foi mto bom conhecer vc..
Viu, não sou a única que gosta de seus escritos =P
E os comentários já fiz.
Bjo
Ei, para ir ganhando a vida desde já com seus ótimos textos, corta esta postagem ao meio e só libera o resto mediante pagamento via cartão de crédito. Que tal?
Bom fim de ano!
jah te disse q achei seus textos mto bons neh? e repito agora, apesar de saber q vc vai ficar metido... rssss. ah, e voltei a ler seu blog... acho q jah posso me considerar em processo de cura... bjos.
Ah, brigado pelos elogios... Realmente essa parte do Zeca Baleiro eu podia ser preso por plágio.
Vou aceitar a sugestão do Renato. Cortar a postagem ao meio, mas não pelo pagamento, mas em troca de críticas!
Poxa, queria mais sangue. Ninguém tem alguma crítica, paulada, etc?
Se bem que é meio arrogante achar que seria tão bom que levantaria várias polêmicas.
Deixa estar...
Hahahaha... e ao final, não é que se tratava de uma comédia... muito interessante, precisamos conversar depois mais longamente. Muito bom!
Um abraço, e mande notícias do resultado
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