terça-feira, 25 de outubro de 2005

Tentativas de Descrição

Era uma vez um menino composto por peças de lego. Se transformar, carros, mansões, castelos, jardins: Tudo muito pouco aos seus olhos pontos pintados, (sempre) independentemente do que fosse. Não podia, ainda, transformar-se completamente naquilo que se montava. Então, desmoronava. Inconformava-se parecer lego, encaixes e quinas sobressalentes (sempre). Além disso, nas composições - possibilidades que conhecia - (sempre) sobravam peças. Era aquilo que, ali, era excluído a cada aquilo que fosse: Era um também em tudo o que não era, também que lhe chacoalhavam como um principalmente. Sonhava uma combinação em que todas partes - suas que eram - fizessem parte, encaixassem. Sonhava: Nesse momento deixaria de ser um amontoado de peças de montar, arredondaria.

Era uma vez um menino muito doente. Cuidado pelas avós e a mãe, comia, não por fome, para ficar forte e crescer. Velho, virou alpinista, queria ver o mundo de outra forma, de cima. Forte e grande, continuava doente e não tinha mais quem o cuidasse.

Eram tão parecidos passando por fases diametralmente opostas. Ele, casa nova, caramujo a procura de uma concha que nunca lhe satisfaz, inconformado com suas possíveis formas futuras. Ela no antigo casco, pele de cobra que lhe cabe cada vez menos, que lhe vai impedindo os movimentos, medrosa de abandonar justamente o que conhece que lhe coube tão bem um dia desses.

Ela era uma criança criada na roça que pensou ser possível viver em São Paulo como a passeio. Como se essa velocidade toda, esse mundarel de gente fosse coisa a ser vista e admirada com os olhos e de mãos abanando. Queria ser turista e, em caso de excesso de movimento, poder descalçar o tênis e sair andando, andando. Não convivia com muitos e nem gostaria, ficava confusa. Ia atrás de solidão quando lhe desagradavam, cadeira de balanço em varanda vazia. Queria café em coador de pano depois da cachaça envelhecida em tonel de carvalho, talvez por isso não se desse bem com sedutores aromas expressos em cafeteria ou com a beleza performática dos drinques noturnos paulistanos. Enquanto almoçava um salgado em pé, pensou que gostaria de ser árvore. Forte e estável, silenciosa, sábia e respeitosa, movimentos precisos e imperceptíveis em direção à fixação e ao crescimento. Beleza de se admirar à toa, primeira intenção, flores coloridas a perfumar a vista. Poder oferecer sombra sem esperar nada em troca.

O Dano (Neruda)

Fiz-te mal, minha alma,
dilacerei a tua alma.

Entende-me.
Todos sabem quem sou,
mas esse Sou
é além disso um homem
para ti.

Em ti vacilo, caio
e levanto-me a arder.
Tu tens, entre todos
os seres, o direito
a ver-me débil.
E a tua mão
de pão e de guitarra
deve tocar meu peito
quando parto para o combate.

Por isso busco em ti a pedra firme.
Ásperas mãos em teu sangue cravo
em busca da firmeza
e da fundura de que necessito,
e se apenas encontro
teu riso de metal, se nada acho
em que sustentar meus duros passos,
adorada, aceita
minha tristeza e minha cólera,
as minhas mãos inimigas
destruindo-te um pouco
para que te ergas da argila,
feita de novo para os meus combates.

Um comentário:

Carolina disse...

Adoro suas tentativas (bem sucedidas) de descrição. Lirismos curtos, sensações que rompem fronteiras!
Bjos