semana que vem a gente continua

Aproveitando que estamos na primeira semana de arte da Psico USP, retomo o hábito de xupinhar obras alheias.

Eu daria um título como Corte, mas não pertence a mim, fica com o título acima

54 minutos. Ela fala, muito e pesado. O seguinte me espera. Estou duplamente incomodado: seu enrosco é mesmo grande; preciso encerrar, 56 minutos. Uma brecha repentina. Não esperava. Tomo ar para uma intervenção amena e final. 57 minutos e sequer para isso tenho tempo. Ela é mais rápida. Ontem vi um filme do Wood Allen – me conta – em que, lá pelas tantas, a atriz diz ao diretor: ‘Se confio em um homem para me dirigir, também confio nele para trepar’. Muito bem – continua –, na mesma, mesmíssima hora, tive um insight. Pensei em você, em nós, e entendi tudo. Tudo. Olhe, eu confio em você para me analisar – cruza as pernas que parecem querer estourar a calça –, portanto, também confio em você para...
Quase 58 minutos. Antes fosse lacaniano, teria lançado mão de um corte, aposto, nos primeiros dez minutos. Corte. Realidade. É disso que preciso agora. É o que pede a situação. Realidade. É disso que ela precisa. Na verdade, essa mulher me implora, de quatro, por realidade.
Veja, Letícia, já na primeira sessão me apercebi de sua esperança de, um dia, eu a jogar nesse divã, arrancar suas roupas com força e a possuir com a volúpia que jamais...
58 minutos, não tenho todo esse tempo para ela, que, ao dissimular como nunca a sensualidade de sempre, compreende, descruza as pernas e atentamente me escuta as últimas palavras. Utilizo-me do jargão com convicção tremenda e inédita: semana que vem a gente continua. Jamais estive tão certo de que um paciente voltaria. Corte. (Ela não voltou.)