terça-feira, 19 de julho de 2005

Tentativa de abandonar a metafísica

Temos muitas vezes que parar uma leitura para que possamos apreciá-la. Respeitar o que está ali, diante dos nossos olhos, impresso, fixo, escrito inscrito. E aquilo inunda de tal forma... Outras, não estamos preparados. Ainda? Passamos do tempo? Devorar um livro é ser deveras voraz.

O Novelo e o fluxo

Se eu esquecesse a forma, tudo andaria. Mas quando eu me agarro a ela, nada varia nem chega a ser. O possível é barrado em tantos deverias. Se vou sem rumo, sem remo, sem rima, vou e tudo vai, tudo varia, reinicia. Mas mesmo se estanco, vou. Vou diferente, pesado, arrastado, preocupado. Quero ir-me então, indo. No sufixo da circunstância, na semente que será fragrância.
E as procissões, os empurrões, as centelhas e erupções, tudo vai e todos vão. E não há vão nas entrelinhas entre as linhas que preenchem todos os recantos dos já tecidos acontecidos. Há com tecidos nobres e rasteiros, profanos, sagrados e ciganos. Ter sido ou não ter sido é a consistência do passado de onde emana este entremeante novelo gigante. Se foi em vão, os que ficam e os que vão é que dirão, talvez.
Porque as vozes se misturam e se acumulam feito nozes, gânglios proféticos, abscessos de excessos e aquéns, trançados, entrelaçados, perpassados perpassados por si mesmos e por outros tantos, à esmo e à propósito, entre tantos.
Tal a vez de certa feita, uma moça feita quase perfeita novelou. Não velou o findo mundo, nem adeus disse. Banhou-se no emaranhado continuado e esticado do tempo. Retrançou, espiralou e entremeou-se. Emocionou-se. Co-ontinuou com seu corpo a criação. Criou ação e abrindo espaço no acaso, fez cor. E a terna lã eterna, num élan terno de sabe-se-lá fluiu, seguiu. E vai.


Se definir pessoas por poemas deixasse de ser difinir eu arriscaria esse aqui para o senhor Hans Machado (os poemas são todos dele, aliás)

Se fosse (o ar) colorido,
a cor do quente se misturaria com a do frio
e desbotaria com a chuva...

Eu respiraria azuis e espirraria vermelhos e bordôs.
Meu suor borraria a paisagem
e tudo se revelaria passagem.

Alberto Caeiro é a pessoa mais metafísica tentando negar a metafísica. Quais as possibilidades de poemas não metafísicos? Os concretos? Aqueles para serem vistos, aqueles para serem balbuciados, pronunciados e divertiriam, irreverentes. Longe de desistir de comunicar para virar pastor, mas um pouco mais próximo, um experimentador do próprio corpo tornando/tornado corpo-próprio.

Brisa
A......h!

Há coisas que me fazem sentir a vida
Sentir-me na brisa,
sobre ela, dentro dela, sendo ela.
Sensação panorâmica, de braços e olhos abertos.
Vibração sem margens...

A......h!

Com as letras, o desenho.
Com a vida, o vivido.
Não é apenas paisagem,
é a vista.

Não a que vê, nem a que é vista,
mas as duas como uma agem,
em passagem,
em paz agem.
Em pás agem.

Pás que geram atrito,
paz que é força e vai no grito

É a vida com a brisa
A......h, brisa...
Há brisa

Um comentário:

Carolina disse...

Apesar de meus rabiscos não fazerem a menor diferença nesse quartinho, saiba que os ares desse cantinho sempre me fazem diferente. Hoje, mais do que outros dias, ler suas palavras, mesmos que sejam a de outros, me fizeram um bem enorme. Estava num daqueles momentos difíciceis, quando paramos para pensar (e eu não sei pensar...) sobre coisas que nos incomodam... ai vim aqui e te encontrei, sempre acolhedor!
Bjos